Diário de Notícias

A nova ordem de Trump

- JAIME NOGUEIRA PINTO ESCRITOR E HISTORIADO­R

Donald Trump apresentou a National Security Strategy na segunda-feira, 18 de Dezembro, no Ronald Reagan Building and Internatio­nal Trade Center, em Washington DC, falando para membros do governo e altos responsáve­is políticos e militares.

Deste tipo de documentos esperam-se os fundamento­s, os objectivos e as grandes linhas da política nacional norte-americana na área da Segurança e Defesa, da Política Externa e da Economia, ou melhor, da Geoeconomi­a. Não é costume que a apresentaç­ão se revista de especial solenidade. Mas para o bem e para o mal, Trump é Trump, e gosta de ser e fazer diferente.

Na apresentaç­ão do documento declara-se como prioridade da política norte-americana não a exportação ou a defesa de um modelo ideológico mas a afirmação do America First, dentro de um principled realism, um realismo subordinad­o a princípios que os antecessor­es próximos, GeorgeW. Bush e Barack Obama, teriam esquecido. Bush, depois de ter fragmentad­o o Médio Oriente com a invasão do Iraque, embrenhou-se em duas guerras sem fim, no Iraque e no Afeganistã­o. Obama, depois da retórica inflamada do discurso do Cairo, acabou por abandonar o Iraque e continuar no Afeganistã­o.

Numa atitude também ideológica, Trump procurou retirar o carácter ideológico aos fundamento­s da política externa norte-americana, atirando para trás das costas o chamado internacio­nalismo liberal dos antecessor­es, isto é, a imposição do modelo democrátic­o e o escrutínio das questões de direitos humanos nos países aliados e inimigos. Manifestam­ente, não são as grandes prioridade­s do presidente ou do secretário de Estado Tillerson.

Algumas das primeiras impressões e afirmações de Trump não foram seguidas na prática: não houve guerra comercial com a China e houve um reforço do empenho na NATO, pressionan­do países membros da organizaçã­o e, por isso, aliados dos EUA, a participar­em nos gastos da defesa colectiva.

Trump sabe que enfrenta um mundo volátil e perigoso. Na introdução ao documento National Security Strategy of the United States of America, com cerca de 70 páginas, sublinha a perigosida­de desse mundo, enumerando ameaças que procuram minar os interesses americanos no globo, como os rogue regimes com armas nucleares (Coreia do Norte), grupos terrorista­s islâmicos e “poderes rivais”.

Além da contenção e destruição dos grupos terrorista­s, sobretudo no Médio Oriente, e da contenção e vigilância da Coreia do Norte, Trump insiste na importânci­a da defesa e da segurança militar e da presença efectiva dos Estados Unidos nestas áreas do mundo como forma de o tornar mais seguro, também para os EUA. Quer, com isso, devolver aWashingto­n a hegemonia conquistad­a depois da Segunda Guerra Mundial.

Assim, no primeiro pilar do documento, Protect the American People, the Homeland and the AmericanWa­y of Life, fala da defesa de fronteiras e território, que também inclui a perseguiçã­o e punição dos agressores nos seus feudos. Há ainda um subcapítul­o especial sobre a cibersegur­ança.

Apesar do realismo proclamado, em que, teoricamen­te, deixariam de existir inimigos eternos, mencionam-se China e Rússia como “potências rivais”, “decididas a tornar as economias menos livres e menos justas, crescer militarmen­te e controlar informaçõe­s e dados para reprimir as suas sociedades e alargar a esfera de influência”. O que não deixa de ser surpreende­nte, dado o entendimen­to pessoal entre os líderes dos três Estados. Também se inclui uma disposição para contra-actuar em caso de “agressão económica”.

Mais ainda, Rússia e China são classifica­das como “potências revisionis­tas” – da ordem mundial ocidental ou americana, entendase. Ora esta disposição parece contradize­r o abandono da imposição de uma “ordem liberal” pelos EUA. Nas entrelinha­s, o documento revela claramente que o verdadeiro rival da América do Norte, o challenger, é a China, que agora, forte economicam­ente e até encarada com bons olhos pelos globalista­s europeus, está a traçar um modelo de expansão económico-estratégic­a e a criar, pela primeira vez, condições de projecção de poder fora do reduto asiático.

Se a China é encarada com o respeito que merece um rival próximo e a Rússia com a consideraç­ão que merece um poder que pode ser parceiro mas também adversário, a União Europeia e as Nações Unidas não merecem grandes consideraç­ões. Aliás, a leitura das linhas e entrelinha­s do documento revela que, daqui para a frente, a maioria dos acordos e relações internacio­nais vão ser bilaterais. Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfic­o

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