Diário de Notícias

Os mais pobres dos pobres a pagar

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PEDRO MARQUES

LOPES . Não há quem não reconheça a excelência do trabalho de Félix Morgado e sua equipa, mas a realidade é teimosa e os milagres andam pela hora da morte: o Montepio precisa de ser capitaliza­do. É, esperemos, o último problema do nosso sistema financeiro. Em termos muito simples, o governo olhou para o problema e perguntou-se: onde é que há dinheiro? Alguém se deve ter lembrado de que a Santa Casa da Misericórd­ia de Lisboa tem muito, ou melhor, gera muito dinheiro – para não insultar a inteligênc­ia de ninguém prefiro não discorrer sobre a aldrabice que é dizer que a iniciativa não foi do governo.

Era preciso disfarçar e alguém se dever ter lembrado de que a coisa devia ser vendida dizendo que era preciso um banco social. Um banco, pronto, que olhasse para o terceiro setor com outros olhos. Como há quem pense que somos todos estúpidos, ninguém deve ter pensado que perguntarí­amos: ser mais compreensi­vo com o terceiro setor será ser menos exigente com os financiame­ntos com essas instituiçõ­es? Será desprezar a rentabilid­ade do banco em função das instituiçõ­es que financia? É que ninguém está a ver o que é um banco social se não for isto.

Bom, mas, se assim for, a rentabilid­ade de quem entra no capital desse banco será, por definição, mais baixa. Será mesmo um negócio se não de risco elevado, pelo menos de risco sério. E quem é que o governo acha que deve assumir esse risco? A instituiçã­o que tem como propósito ajudar os mais pobres, os que mais precisam. Ou seja, quando foi preciso o governo, ao abrigo da legitimida­de de definir num dado momento o melhor para o bem comum, decidir quem pagaria os problemas dos bancos optou pelos contribuin­tes. Admite-se que não haveria outra forma. Agora, decide pôr uma instituiçã­o que tem como objeto ajudar os mais necessitad­os a tomar um risco desproporc­ionado para salvar um banco, ou melhor, os associados da Mutualista. E não é um risco qualquer e por dois reis de mel coado, é logo um terço dos capitais próprios da SCML e por um preço exorbitant­e. E já que nem governo nem provedor parecem saber, lembro que a SCML tem dinheiro porque lhe foi dado o monopólio de alguns jogos de azar para que com essa receita ajude quem pouco ou nada tem. Não é preciso ler estatutos nenhuns para perceber que essa receita não pode ser posta em risco em negócios duvidosos. Como não é preciso um desenho para perceber que estaremos perante um verdadeiro crime se este inqualific­ável negócio for adiante. . Das eleições na Catalunha apenas uma conclusão é indiscutív­el: o país está dividido em dois, aproximada­mente metade quer a independên­cia e aproximada­mente outra quer permanecer no reino de Espanha. Bem sei que o que aconteceu na quinta-feira não foi um referendo, mas não parece que existam grandes dúvidas sobre o que estava em causa na votação.

Antes de prosseguir importa lembrar um pequeno detalhe desta história. O que se está a passar na Catalunha importa a toda a Europa, pode criar problemas graves para todos os povos europeus, ter consequênc­ias gravíssima­s para Portugal, é uma perfeita catástrofe para Espanha, mas convém não esquecer que, mal ou bem, é em primeiro lugar um problema que assiste aos catalães e que terão de ser eles e os outros espanhóis, em primeira instância, a decidir. Também não vale a pena andar a bramir o cumpriment­o cego dos compromiss­os constituci­onais quando o problema tem esta envergadur­a. O primeiro passo para a absoluta catástrofe será olhar rigidament­e para a lei e não perceber que os problemas políticos se resolvem com política.

Tenho assistido – e não só em Portugal – a uma discussão sobre se os pró-independen­tistas ou os pró-permanênci­a teriam tido mais meia dúzia de votos do que a outra parte. Não nego que a existência de mais um voto para um lado ou para o outro sirva para a batalha política conjuntura­l. Mas a questão política conjuntura­l é exatamente o que há de menos relevante em toda a questão. Roça o absurdo ler e ouvir análises em que se reflete sobre a descida de um deputado deste ou daquele lado ou sobre a tendência de subida de um lado ou do outro quando a margem que separa as duas partes é tão pequena.

A questão é saber se metade de uma geração tem direito a decidir não só o futuro dessa mesma comunidade num assunto que a define. No mesmo sentido, se meta-

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