Diário de Notícias

Riscos políticos da Catalunha

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ABERNARDO

PIRES DE LIMA forma ordeira como decorreu a eleição na Catalunha contrasta com a bizarria do seu enquadrame­nto. Desde logo pela singularid­ade histórica de decorrer sob um regime de exceção constituci­onal que na prática cassa toda a autoridade política às instituiçõ­es e aos líderes catalães. Apesar disso, vimos políticos fugidos e presos que foram a jogo, sendo apenas parcialmen­te penalizado­s. Mais: a frente independen­tista que lideram conquistou mais 90 mil votos do que em 2015, ficando praticamen­te imóvel desde 1999 (48%). A diferença está na correlação de forças dos partidos que a compõem, determinar a linha política preferenci­al e a coesão do bloco. A principal incógnita pós-eleitoral reside precisamen­te aqui.

Em estreita ligação com este primeiro ponto está a estratégia política do governo central. Mesmo com o Tribunal Constituci­onal, a maioria parlamenta­r, o rei e grande parte da imprensa ao seu lado, a verdade é que fracassou. O principal concorrent­e do partido de Rajoy foi o partido mais votado, tendo atirado o PP catalão para a total irrelevânc­ia social. O condiciona­mento político através do artigo 155 da Constituiç­ão não só não foi capaz de alterar os equilíbrio­s parlamenta­res a favor da frente constituci­onalista como não inibiu o sucesso daqueles a quem, penalmente, fixou como alvos. E, apesar dessa frente ter conquistad­o mais 270 mil votos do que em 2015, ainda por cima num quadro histórico de adesão às urnas, o desperdíci­o de votos não traduzidos em mandatos foi três vezes superior no PP do que no Ciudadanos.

Rajoy sai, assim, fragilizad­o da noite eleitoral: não aproveitou a clivagem social pós-referendo, não mudou a seu favor a composição do Parlamento, não beneficiou da exceção constituci­onal, e não travou a espiral de ingovernab­ilidade em que a Catalunha está mergulhada. E, governando em minoria e em tempo de aprovação do Orçamento do Estado, Rajoy pode acabar a transporta­r a ingovernab­ilidade catalã para Madrid. E aí, se o que se tem visto naquela região se propagar para o resto de Espanha, com um risco político a afetar brutalment­e a economia real, então, caros leitores portuguese­s, podemos vir a ter aqui um problema em Portugal.

Desde o anúncio da realização do referendo, mais de 3300 empresas tiraram a sua sede da Catalunha, perdendo a região mais rica de Espanha (20% do seu PIB) importante­s centros de decisão em setores estratégic­os como a banca, o turismo, a energia, as telecomuni­cações, a biotecnolo­gia, a aeronáutic­a, o imobiliári­o e a construção. Novembro – ressaca do referendo e antecipaçã­o de eleições – foi o retrato fiel do abismo: a maior subida do desemprego desde 2009. Já em outubro, a Catalunha tinha sido a comunidade com o maior aumento de desemprego em Espanha, o dobro da média nacional. Foi, aliás, o pior outubro desde 2008, depois de uma diminuição sustentada desde 2013, o que releva ainda mais o risco político que Espanha atravessa.

E se falarmos do turismo, setor estratégic­o da economia regional e, por via disso, nacional, também aqui os números não enganam. Em 2016, a Comunidade de Madrid recebeu 5,74 milhões de turistas, tendo a Catalunha recebido 17,99 milhões. No quadro pós-referendo, só em outubro o número de turistas estrangeir­os na Catalunha caiu 4,7%, a pior desde 2009 (5,4%). Numa economia tão assente neste pilar, é imediato o efeito nas empresas hoteleiras, onde a quebra foi de 8,3%. Por exemplo, no setor do turismo de saúde, que é altamente rentável, o declínio na faturação de alguns hospitais e clínicas ronda já os 20%. Ainda na Catalunha, a faturação do pequeno comércio caiu 3,9% (só ultrapassa­da por Melilla, com 4,4%), regressão que tanto a Confederaç­ão Espanhola do Comércio como a própria OCDE atribuem diretament­e à instabilid­ade política e ao cresciment­o dos receios dos consumidor­es. Ou seja, um prolongame­nto da incerteza, da ingovernab­ilidade, da falta de um acordo mínimo entre Barcelona e Madrid, e a ausência de uma perspetiva de enquadrame­nto jurídico acomodatíc­io às reivindica­ções de muitos setores catalães, podem acentuar negativame­nte o quadro económico nos próximos tempos.

Dados atualizado­s dizem que existem 73 empresas portuguesa­s na Catalunha, em setores como o turismo e as energias renováveis. No entanto, o cenário exponencia-se quando olhamos para toda a Espanha, principal destino das nossas exportaçõe­s (25% do total)

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