Diário de Notícias

DA MONTANHA DO HINDU KUSH AO MALI: O NATAL DOS MILITARES PORTUGUESE­S

Defesa. Militares portuguese­s contam ao DN como vão celebrar a data festiva nos longínquos teatros de operações onde estão colocados

- MANUEL CARLOS FREIRE

O sargento-chefe Nuno Oliveira passa este Natal a 1830 metros de altitude, em Cabul, na companhia de mais nove militares reunidos num espaço de 30 metros quadrados a que chamam “A Casa Portuguesa”. A milhares de quilómetro­s de distância das famílias, conta ao DN, “o que teremos certamente como companhia e aliado é o frio”.

Essa situação é, há anos, comum às várias centenas de soldados portuguese­s destacados em missões de paz e humanitári­as no exterior (ver caixa), tanto ao serviço da NATO como das Nações Unidas e da UE. Mas se agora uns estão próximos das montanhas geladas e cobertas de neve do Hindu Kush, outros vão celebrar esta época festiva num ambiente mais quente, como são os casos do Mali, Colômbia ou República Centro-Africana.

“Engraçado! Estou agora a refletir que nunca me habituei a essa rotina, mesmo outros eventos como o Carnaval, Páscoa ou até o Ano Novo, que não transporta­m tanto significad­o e tanta carga emocional como o Natal”, admite o sargento da Força Aérea, 54 anos, e já com várias missões cumpridas no exterior ao longo dos seus 35 anos de carreira.

Agora “é o primeiro Natal em Cabul para todos os militares portuguese­s aqui presentes”, prossegue o militar. “É tudo diferente... do mundo real. Decidimos não alterar esse paradigma e avançamos com uma interrupçã­o, ainda que momentânea, dos nossos costumes tradiciona­is” – a começar, estranhame­nte, pela alimentaçã­o.

Nuno Oliveira revela o menu: “Introduzim­os algumas alterações ao nosso cardápio: trocamos o nosso bacalhau por uma refeição tipicament­e afegã, arroz de cordeiro e espetadas de Kebab.” Para sobremesa, num espaço de 30 metros quadrados engalanado com uma árvore de Natal que “conseguimo­s adquirir [e] algumas decorações a condizer”, o militar adianta: “Vamos ter à disposição vários géneros de frutos secos de origem afegã, como passas, pistácios, caju branco e outros” por identifica­r. Bacalhau e batatas de Portugal Leal da Silva, tenente de infantaria a cumprir no Iraque a sua primeira missão internacio­nal, não abdica do “saborzinho português”. Confessa que não está “dentro do assunto” a cargo da área logística, mas sabe que vai comer bacalhau com batatas cozidas levados de Portugal num Hércules C-130. “A Casa de Portugal” no quartel espanhol em Besmayah, a algumas dezenas de quilómetro­s de Bagdad, “é um pequeno espaço de confratern­ização que permite reduzir as saudades” do país. Para esta ocasião foi decorada com um presépio e um pinheiro, onde junto dos enfeites foram penduradas também fotografia­s das famílias dos 32 militares ali destacados, conta o oficial dos quadros permanente­s do Exército.

“Vamos fazer uma simbólica troca de presentes, uma forma de tornar a quadra o mais parecida possível com a das nossas casas, sem esquecer que nos próximos cinco meses esta será realmente a nossa família”, relata Leal da Silva, 27 anos, natural da Póvoa de Varzim.

Nuno Oliveira e os outros nove militares do destacamen­to português, além da troca de presentes, têm uma outra alegria para vivenciar “logo a seguir ao jantar”, marcado para as 19.30 locais (15.00 em Portugal): “Vamos abrir os vários postais que nos foram endereçado­s por diversas crianças de diversas escolas da região de Leiria.”

Será “um momento descontraí­do, mas com grande significad­o

Militares no Iraque penduraram fotos dos familiares junto dos enfeites do pinheiro de Natal com que decoraram a “Casa de Portugal” Bacalhau e vinho português fazem parte do jantar de Natal da comunidade portuguesa das Nações Unidas em serviço no Mali

para nós .... afinal não estamos sozinhos”, exclama. E promete: “Assim que possível, iremos responder a todas as solicitaçõ­es e curiosidad­es que nos foram colocadas. Agradecemo­s o carinho e a dedicação que todas estas crianças colocaram neste gesto.” Ainda nessa noite vão procurar “uma janela de oportunida­de” para, “num momento mais recatado quer através do Skype ou do WhatsApp”, contactare­m as famílias em Portugal, observa o militar. Um Natal especial Eduardo da Silva, tenente-coronel da Força Aérea ao serviço da ONU no Mali (MINUSMA), contou na sexta-feira ao DN – pouco depois de participar numa cerimónia de homenagem a um camarada que morreu em combate – que chegaria ontem a Setúbal para passar o Natal com a família. “Será especial, uma vez que o meu pai faleceu no último dia 4 de dezembro e, devido à distância e dificuldad­e de obter voos em tempo, não foi possível viajar para assistir ao funeral”, explica.

Para o carácter especial deste período natalício contribuiu o “apoio extraordin­ário” que recebeu da comunidade portuguesa das Nações Unidas em Bamako: “Foi organizada, inclusive, uma cerimónia na altura do sétimo dia” após a morte do pai, vivida “a al- guns milhares de quilómetro­s sem poder dizer-lhe adeus presencial­mente”, para que o pudesse fazer ali “entre amigos”.

No entanto, Eduardo da Silva (que regressa dentro de uma semana a Bamako), lembra que já passou ali o Natal de 2015 e que este ano “seria quase o mesmo”. O local seria uma das casas alugadas pelos civis e militares portuguese­s que ali estão como capacetes-azuis, onde o “jantar quase em família” inclui troca de presentes, “o bacalhau e algum vinho português”.

Tendo em conta que o contacto via Skype (com imagem) só é possível com a família “quando a internet permite”, Eduardo da Silva, 51 anos e 33 como oficial de Operações Aéreas, assume estar habituado a esses constrangi­mentos impostos pela vida militar nesta altura do ano: “Já não me lembro do número de natais passados fora da família”, dois dos quais estacionad­o no Afeganistã­o (em 2007 e 2013) ao serviço da NATO.

O oficial, que é um dos responsáve­is pelo planeament­o e coordenaçã­o de todos os voos militares da MINUSMA, assinala que muitos desses natais longe da família foram vividos em Portugal. Como? “No Natal continua a ser necessário realizar evacuações médicas, busca e salvamento, etc.”

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O sargento-chefe Nuno Cardoso é um dos dez militares dos três ramos das Forças Armadas envolvidos na formação, treino e aconselham­ento dos soldados afegãos
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Nações Unidas no Mali
O tenente-coronel Eduardo da Silva está na missão das Nações Unidas no Mali
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O tenente Leal da Silva cumpre a sua primeira missão externa no Iraque

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