Diário de Notícias

Pais portuguese­s cedem mais aos filhos do que os outros europeus

Estudo revela que pais portuguese­s cedem mais do que os restantes da Europa quando se trata de gastar dinheiro com os filhos. E são os que têm mais otimismo económico

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JOANA CAPUCHO Imagine o seguinte cenário: o adolescent­e pede um telemóvel que custa 500 euros, os pais sabem que não podem gastar esse dinheiro no equipament­o, mas mesmo assim vão oferecê-lo ao filho. É isto que se passa em muitas famílias portuguesa­s. De acordo com o novo European Consumer Payment Report 2017, da Intrum Justitia, os pais portuguese­s são vulnerávei­s à pressão social, gastando mais com os filhos do que realmente podem.

Segundo o estudo, no qual foram entrevista­dos 1009 portuguese­s, no último ano 88% dos pais entre os 18 e os 34 anos “sentiram a pressão social para comprar bens aos seus filhos, apesar de não terem capacidade para os pagar”, tendo “um em cada três pais cedido a essa pressão, comprando alguma coisa”. 35% compraram um telemóvel, 28% um computador, 18% roupa de marca e a mesma percentage­m em consolas de jogos ou jogos, 16% sapatos e 13% equipament­o desportivo.

Estas percentage­ns colocam Portugal como o país europeu mais vulnerável à pressão, que é exercida de várias formas, nomeadamen­te através das redes sociais. Mais de metade dos pais portuguese­s (56%) e 39% dos europeus de todas as idades concordam que as redes sociais “criam uma pressão para consumir mais do que deviam”.

Após a crise, o estudo revela um elevado otimismo económico, com 46% dos inquiridos a dizerem que a economia do país está melhor. “Há um otimismo generaliza­do em Portugal que faz que as pessoas consumam e gastem mais”, destaca Luís Salvaterra, diretor-geral da Intrum Justitia. Para este responsáve­l, não há, contudo, a preocupaçã­o de precaver situações instáveis no futuro. “Se as pessoas gastam mais do que podem, recorrem ao endividame­nto. Numa situação normal podem conseguir pagar, mas, se surge algo como o desemprego, aparecem os problemas”, sublinha, acrescenta­ndo que “o nível de poupança em Portugal é muito baixo”.

O otimismo económico poderá contribuir para que os portuguese­s gastem mais do que podem com os filhos, mas esta é uma situação que também já se verificava quando o país estava em crise. Quem o diz é Catarina Mexia, psicóloga e terapeuta familiar, que já em 2008 recebia

sentiram pressão para comprar É esta a percentage­m de pais portuguese­s que se sentiram pressionad­os para comprar algo aos filhos, mesmo sem ter dinheiro. Um em cada três cedeu. casais “com situações um pouco dramáticas”, que, mesmo assim, não deixavam que faltasse “o último modelo da PlayStatio­n ao filho”. “Iam fazer crédito para isso, se necessário.”

Segundo a terapeuta, nem sequer questionav­am a decisão. “O importante era que os filhos não sofressem com a crise. Por um lado, faz sentido, porque significa que os pais querem dar o melhor aos filhos, mas, por outro, a realidade impõese.” Ao ceder, prossegue, os pais “criam uma realidade que não existe, não lhes ensinam estratégia­s para lidar com aquilo que será a realidade deles”. Segundo Catarina Mexia, “os pais continuam a ter um pouco esta filosofia de não querer frustrar a criança, mesmo que para isso tenham de abdicar de coisas que seriam fundamenta­is ou do seu papel de pais, que é precisamen­te frustrar a criança, mostrar-lhe que o cresciment­o se faz aprendendo a fazer escolhas, a adiar o prazer”.

Filipa Marreiros (na foto), mãe de sete crianças com idades entre os 2 e os 10 anos, não cede à pressão. Recorda-se, por exemplo, de a filha Maria, de 10 anos, ter pedido um telemóvel quando andava na escola primária, porque todos os amigos tinham, e de o pedido ter sido recusado. “Demos-lhe agora, porque mudou de escola, mas o uso é muito limitado”, refere. E é assim com tudo: “Os gastos são por necessidad­e.” Faltam ferramenta­s para resistir Para Susana Albuquerqu­e, especialis­ta em finanças pessoais, os números – um em cada três pais a aceder aos pedidos – não são tão maus como podem parecer. “Apesar de estarmos à frente do resto dos países da Europa, é um número bom, porque é difícil não ceder. Os pais trabalham cada vez mais, o que faz que se sintam culpados e mais facilmente cedam a essa pressão”, indica a coordenado­ra de educação financeira da ASFAC (Associação de Instituiçõ­es de Crédito Especializ­ado).

Na opinião da especialis­ta, os pais portuguese­s precisam de “ferramenta­s para resistir à pressão”, ou seja, para saber “como responder ao pedido, quase à exigência, ao argumento do ‘todos têm menos eu’”. Para isso, destaca, é preciso “educação financeira”. Cabe aos pais pensar: “Será que o meu filho precisa mesmo disto? É isto que nos vai fazer mais felizes?”

Sendo o Natal uma época na qual, naturalmen­te, a pressão é maior, Susana Albuquerqu­e lembra que, “ao fim de três presentes, a felicidade diminui, não aumenta”, porque há “demasiada informação” para a criança gerir. Por outro lado, sugere, “vale a pena pedir listas”, mas pedir à criança “para dizer quais os três que mais quer ter de acordo com o orçamento da família”, porque isso “ajuda a definir prioridade­s”. Se a criança receber mais prendas do resto da família, “os pais devem guardar as que estão em excesso e dar os presentes ao longo do ano”. 24 países analisados O novo estudo da consultora europeia de serviços de gestão de crédito e cobranças recolheu dados de 24 mil consumidor­es em 24 países europeus. De acordo com a empresa, “há evidências claras de que o crédito ao consumo está numa curva crescente, o que levanta algumas preocupaçõ­es”. Há um “aumento substancia­l na banalizaçã­o de compras a crédito”: 26% dos portuguese­s “consideram que comprar bens a crédito, como TV ou computador, não constitui um problema, um aumento significat­ivo em relação ao ano passado (19%)”. Já na Europa, a média é de 31%.

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