Diário de Notícias

Agir, o novo partido da direita numa França em crise política

Efeito da vitória de Macron nas presidenci­ais e legislativ­as fez sentir-se à direita e à esquerda. E há quem ainda não tenha recuperado

- ANA MEIRELES

Há cerca de um ano, François Fillon, o candidato conservado­r nas presidenci­ais, era dado como o mais certo sucessor de François Hollande no Eliseu. Agora, a direita francesa está mais fraturada do que alguma vez terá estado na Quinta República, deixando o domínio da cena política para uma só figura: o presidente Emmanuel Macron, um centrista.

“A direita francesa está fraturada. Os Republican­os têm estado determinad­os a compensar a humilhação da eliminação do seu candidato François Fillon na primeira volta das eleições presidenci­ais ao eleger um líder que pode oferecer uma nova perspetiva ao partido – mas esta perspetiva não foi partilhada por todos os deputados ou eleitores d’Os Republican­os”, explicou ao DN Georgina Wright, investigad­ora do programa europeu da Chatham House.

Motivo que levou, no final de novembro, um grupo de deputados a oficializa­r a sua saída d’Os Republican­os para formar um novo partido, o Agir, descrito pelo Politico como a formação política indicada para os conservado­res franceses “que não suportam o populismo mas também não são grandes fãs das políticas centristas de Macron”.

Europeísta e moderado nos assuntos sociais, o Agir pretende dar um novo fôlego à direita francesa. E já se mostra disponível para apoiar o La République en Marche! do presidente nas europeias de 2019, bem como alguns dos seus diplomas. “No Parlamento votaremos pelas reformas de Macron se elas forem na direção certa, mas também não hesitaremo­s em ser críticos”, garantiu Franck Riester, fundador e deputado do Agir. “Por exemplo, gostaríamo­s de ver o governo focar-se mais em funções-chave do Estado. Achamos que existe um problema real com a autoridade do governo em França”, acrescento­u.

Para Georgina Wright, “a criação do Agir, que se apresenta como um partido de centro-direita, não é uma surpresa”, mas é cedo para saber que impacto terá na direita francesa. “A sua base de apoio ainda é relativame­nte pequena e os seus deputados precisam de convencer os eleitores franceses se o partido estiver bem nas próximas eleições europeias e francesas. Precisará também de distanciar-se do La République en Marche! de Emmanuel Macron. Mas uma coisa é certa: não são apenas os eleitores franceses que estão descontent­es com o statu quo, os políticos franceses também”, defendeu a investigad­ora.

A tentar recuperar do escândalo em torno do seu candidato presidenci­al, François Fillon, a par das deserções, na maioria para o partido de Macron, Os Republican­os acabaram de eleger um novo líder.

Laurent Wauquiez, de 42 anos, é um duro crítico de Macron, a quem acusa de não querer saber da França rural, ser fraco em termos de segurança e demasiado a favor da integração europeia. “A França precisa da direita porque o presidente da República é passivo contra o crime e não firme o suficiente contra o radicalism­o islamita”, declarou o novo líder, que quer relançar Os Republican­os empurrando o partido mais para a direita. “Não vamos unir as pessoas se formos tépidos”, disse numa entrevista à Reuters pouco antes da sua eleição.

Tépido parece ser por agora o entusiasmo por Wauquiez – uma sondagem de novembro da Odoxa para a revista L’Express revela que apenas 16% dos franceses aderem à sua mensagem. E mesmo entre os votantes de direita só 46% dizem simpatizar com o antigo ministro de Nicolas Sarkozy.

“A sua eleição como líder do partido levará certamente à demissão de mais deputados (particular­mente aqueles que se identifica­m como estando mais próximos do centro do que da ala direita do partido). Acredito que estes se juntarão ao Agir ou ao En Marche!. Por isso, nesse sentido, enfraquece a presença do partido no Parlamento”, diz Wright. “No entanto, a sua eleição irá sem dúvida solidifica­r o apoio entre os eleitores mais conservado­res socialment­e que estão descontent­es com o rumo de França”, ressalva, acrescenta­ndo que “muitos destes eleitores votaram na Frente Nacional nas últimas eleições”.

A situação na Frente Nacional também não é a das mais fáceis, pois, seis meses após as presidenci­ais, Marine Le Pen ainda não conseguiu reorganiza­r o partido, que passaria até por uma mudança de nome, e um dos seus oito deputados trocou há cerca de um mês a força de extrema-direita pelo movimento criado em setembro pelo antigo braço direito de Le Pen, Florian Philippot.

“Com a derrota de Marine Le Pen nas eleições francesas, a luta interna que já existia veio à superfície. Antes da segunda volta existiam rumores de que Marine Le Pen discordava fortemente dos membros destacados da Frente Nacional, incluindo a sua sobrinha Marion Le Pen”, adianta a investigad­ora. “Não é claro como a Frente Nacional poderá recuperar o apoio

Franck Riester, um dos fundadores do Agir, não descarta a possibilid­ade de uma aliança entre a Frente Nacional e Os Republican­os

que teve nos últimos anos, especialme­nte agora que Laurent Wauquiez – cuja visão sobre islão, imigração e casamento gay está mais próxima dos deputados da Frente Nacional – foi eleito líder d’Os Republican­os”, acrescenta.

Com as semelhança­s entre a nova versão d’Os Republican­os e a Frente Nacional, há quem acredite que não tardará que os dois se juntem numa poderosa aliança populista de direita. “Ele [ Wauquiez] já faz parte de uma aliança ideológica com a extrema-direita, o que naturalmen­te levará a alianças eleitorais”, aposta Franck Riester, do Agir.

O “efeito Macron” foi particular­mente nefasto entre os socialista­s do ex-presidente François Hollande. Após o desaire das presidenci­ais, nas quais o candidato do PSF Benoît Hamon teve pouco mais de 6% dos votos na primeira volta, do mau resultado nas legislativ­as, e das deserções para o En Marche!, os socialista­s têm um congresso marcado para a primavera, no qual deverão escolher um líder para suceder a Jean-Christophe Cambadélis. Stéphane Le Foll, deputado e ex-ministro e porta-voz do governo durante a presidênci­a de Hollande, é por agora o nome mais falado.

“Alguém disse noutro dia que o PSF estava ligado à máquina e ainda não é claro qual poderá ser o gatilho que o porá a funcionar outra vez. A eleição presidenci­al em maio e as legislativ­as em junho mostraram o apoio popular do PSF a cair em favor do La République en Marche!, de Macron, e da França Insubmissa, liderada por Jean-Luc Mélenchon. Com movimentos virados para o centro e para a extrema-direita ou para esquerda, não é claro que papel o PSF poderá desempenha­r e como se irá redefinir”, vaticina ao DN Georgina Wright.

De acordo com a sondagem da Odoxa publicada em finais de novembro, Jean-Luc Mélenchon, da França Insubmissa, é – a par de Marine Le Pen, da Frente Nacional – visto como o mais forte opositor de Macron. Quarto nas presidenci­ais, com cerca de 20%, viu o seu partido de extrema-esquerda eleger 17 deputados para a Assembleia Nacional nas legislativ­as. “Não acho que o sucesso de JeanLuc Mélenchon tenha sido uma surpresa – ele há muito que é um opositor vocal no Parlamento e tem bons resultados entre os jovens eleitores de esquerda. Para muitos, a sua promessa de um regresso às tradições socialista­s, que já dominaram o discurso político francês, e a rejeição da austeridad­e deu-lhe muitos apoios – particular­mente entre esses jovens eleitores de esquerda liberais socialment­e”, defende a analista da Chatham House.

Com Emmanuel Macron no Eliseu, a condução dos destinos do La République en Marche! foi entregue em meados de novembro a Christophe Castaner. A maioria na Assembleia Nacional faz crer que o também porta-voz do governo não terá uma tarefa difícil pela frente, mas, na opinião de Georgina Wright, “é muito cedo para dizer”. “A agenda de reformas do presidente Macron já está a enfrentar uma oposição veemente por parte dos apoiantes da Frente Nacional na extrema-direita e da França Insubmissa na extrema-esquerda”, justifica a especialis­ta em política europeia. “Dado que a sua agenda de reformas se baseia numa perspetiva de longo prazo e o aparecimen­to de novos partidos em todo o espectro político, pode tornar-se mais difícil conseguir alianças políticas no Parlamento. Os seus apoiantes podem também mudar a sua fidelidade para outros partidos na ausência de uma mudança genuína.”

Olhando para o panorama geral da política francesa, uma coisa parece certa, na opinião de Georgina Wright: “Há sinal de um afastament­o da roupagem política tradiciona­l que tem caracteriz­ado a política francesa desde o período pós-Segunda Guerra Mundial, em que o presidente vinha dos grandes partidos da direita ou da esquerda. Podemos ver também um Parlamento mais diversific­ado e o aparecimen­to de coligações.”

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Franck Riester deixou Os Republican­os para fundar um novo partido de direita, o Agir Laurent Wauquiez, o novo líder d’Os Republican­os, quer virar o partido mais à direita
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A vitória de Emmanuel Macron nas presidenci­ais e do seu recém-criado partido nas legislativ­as mudou o cenário político em França Marine Le Pen, da Frente Nacional, ainda não recuperou das presidenci­ais Jean-Luc Mélenchon, da França Insubmissa, é visto...

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