O TRABALHO DELES É REALIZAR OS SONHOS DOS MAIS PEQUENOS
Grande Reportagem. A cada 17 minutos, algures no mundo, é realizado um desejo de crianças e jovens, dos 3 aos 18 anos, que sofrem de uma doença que coloca em risco a sua vida. Em Portugal, a Fundação Make-A-Wish, uma organização internacional sem fins luc
“Quero dar um beijo à Wonder Woman, quero passear na selva com um puma. Vou subir ao topo da Torre Eiffel e voar com asas de papel. Vou dormir com estrelas no quintal e cortar a barba ao Pai Natal. Quero ser o que quiser. Com sonhos e sorrisos eu vou aprender, crescer, e ver o mundo...” Poderia muito bem ser a carta de uma qualquer criança ao Pai Natal, mas este conjunto de desejos, reunidos numa canção, pertencem a muitas crianças que sofrem de doenças que lhes colocam a vida em risco e a quem, durante um dia, lhes é dada a possibilidade de sair da realidade e entrar no mundo da fantasia, onde tudo é bom e não há espaço para pensar na rotina do hospital, nas quimioterapias, nas dores. O hino da Fundação Realizar Um Desejo – a filiada portuguesa da Make-A-Wish Foundation International – reúne os sonhos da Cesalta, do Luís, da Catarina, da Andreia e de mais umas mil crianças que, em Portugal, viveram momentos especiais.
Presente em 50 países, a Make-A-Wish – fundada nos Estados Unidos, há 37 anos por um grupo de voluntários que ajudou um rapaz a ser polícia por um dia – já realizou, em todo o mundo, cerca de 415 mil desejos a crianças e jovens, entre os 3 e os 18 anos, com doenças progressivas, degenerativas ou malignas. Há dez anos em Portugal, o número de sonhos concretizados, através de donativos de empresas e de particulares (sem custo para as famílias) é, neste momento, de 998, na grande maioria a doentes oncológicos. Um número que pode mudar repentinamente, não só porque há alguns em fase de preparação, mas porque em qualquer momento poderá surgir a indicação médica de que o desejo não pode passar do Natal. Em todo este processo, que em média demora cinco a seis meses – mas que pode chegar a anos, dependendo do estado de saúde – , a equipa médica tem um papel fundamental, pois determina as condições em que o desejo da criança pode ser realizado e toda a operacionalização é feita em conjunto pelos voluntários da Fundação, médicos e famílias que analisam a melhor altura para o concretizar.
“Realizar sonhos dá esperança, alegria e muita força interior. Acredito que as emoções vividas durante o processo de realização do desejo melhoram a condição emocional das crianças, de certa forma pode mesmo ser um ponto de viragem, uma renovação de energias”, comenta Mariana Carreira, diretora executiva da Make-A-Wish Portugal. Para esta organização sem fins lucrativos, o lema é que não há sonhos impossíveis para as crianças doentes. Como não houve para o Isaac, de 8 anos, que “gostava de conhecer o Rei Mistério”, para o Henrique, de 9, que queria “ir ao Mundial do Brasil ver o jogo de Portugal”, ou para a Fabiana, de 13 anos, que “gostava de conhecer o jardim zoológico vestida de princesa”.
“A Make-A-Wish leva a estas crianças boas notícias, a mensagem de que o impossível também se pode tornar possível. É como pensar, ‘se eu conseguir realizar este desejo que parecia impossível eu também me vou conseguir curar’”, observa Mariana, salientando que muitas vezes o que é pedido são situações inesperadamente simples, como o pisar a areia da praia e ver o mar.
Cesalta. O Panda e o computador cor-de-rosa
A viver no lar do IPO de Lisboa com a mãe, Cesalta não fala da Guiné-Bissau, que deixou há cinco meses para iniciar o tratamento ao cancro que poderá pro-
Tiago 5 ANOS gostava de ser super-herói por um dia
longar-se, pelo menos, por mais dois anos. Vestida de cor-de-rosa – com roupa oferecida pelos dois voluntários da Make-A-Wish, Inês e Bernardo, que há dois meses tratam da realização do seu desejo –, Cesalta, de 5 anos, só fala do Panda e do computador com teclas barulhentas que gostaria de ter. Salta, percorre os cantos da sala hospitalar, sorri e senta-se ao colo de Inês, que a visita umas duas vezes por semana, para lhe dar notícias do Panda e dos amigos Caricas. Já se faz entender bem em português, ao contrário da mãe, que observa a agitação feliz da pequena, que horas antes tinha estado no bloco operatório a colocar um cateter na barriga para iniciar quimioterapia uns dias depois – ou melhor, dois dias depois da realização do desejo (no passado sábado).
Cesalta – que tem dois irmãos na Guiné que “ficaram com o pai”, explicou a mãe – recebeu uma carta do Panda e dois bilhetes a convidá-la para ir ao festival no Campo Pequeno. Naquele momento, tudo brilhou na sua face. Agarrou na carta, como se a estivesse a ler, e pediu a Inês para telefonar ao Panda a agradecer. Bernardo fez o papel do amigo imaginário da pequena, tornando aquele momento de fantasia num dos mais felizes da sua permanência no IPO. O que só foi superável mesmo com a ida ao festival, onde conheceu o Panda e ainda recebeu, numa festa privada, o tal computador cor-de-rosa, que “queria muito”.
Bernardo, de 24 anos, engenheiro mecânico, e Inês, de 28, que faz assessoria de imprensa, numa empresa de comunicação, são dois dos 300 voluntários que colaboram com a Make-A-Wish. O seu trabalho é essencial para a existência da instituição, são eles os verdadeiros realizadores de desejos, conhecem a criança, tentam perceber qual o maior desejo para depois operacionalizarem a sua realização, e angariam também os fundos cruciais para o sucesso na concretização de mais sonhos. “É gratificante estar com estas crianças, vê-las sorrir”, comenta Inês, ao mesmo tempo que mostra o telemóvel com largas centenas de fotografias e filmes feitos com Cesalta, durante as visitas, na preparação do encontro com o Panda. “Cesalta aprendeu as músicas e as coreografias e durante o festival cantou e dançou o tempo todo”, conta orgulhosa.
Ana Torres, de 38 anos, consultora de comunicação, também colabora com a Fundação há cinco anos, e apesar de alguns “sacrifícios” da vida pessoal que tem de fazer para conciliar o trabalho, a família e o voluntariado, garante que esta missão é para continuar. Lembra-se de todos os detalhes dos cinco desejos que já realizou, como o David, de 10 anos, que gostava de fado, e admirava o fadista Jorge Fernando, com quem conseguiu cantar em Alfama.
“Os artistas e figuras públicas são muito generosos, acolhem-nos muito bem”, afirma Ana Torres. E, de facto, são muitos os que estão associadas à Make-A-Wish, ou como padrinhos de desejos – caso de Paula Lobo Antunes, Pedro Lima e Cláudia Vieira, entre outros – ou como presença em eventos para angariação de fundos. O hino da instituição, por exemplo, junta uma série de cantores, como Luísa Sobral, David Fonseca, Ana Bacalhau e Pedro Moutinho, numa composição de Rita Redshoes.
Luís. De comboio até ao Porto e avião para Lisboa
Eu gostava de ser … Luís também tem 5 anos e uma ideia muito definida do que quer ser um dia: maquinista ou piloto, sendo que o primeiro está neste momento no topo da preferência. Pelo menos essa foi a ideia que transmitiu quando realizou o seu sonho: foi de Alfa – sim, não foi um comboio qualquer – de Lisboa até ao Porto e regressou de avião.
Luís tem uma doença rara, histiocitose da célula de Langerhans, que afeta os gânglios linfáticos do pescoço, provocando grandes caroços. Manifestou-se quando tinha 2 anos. Desde então tem feito longos períodos de tratamento, interrompidos por sinais de cura que depois o atraiçoam. “O único tratamento é a quimioterapia com corticoides. Não é uma químio tão forte como a dos doentes oncológicos, não dá efeitos secundários graves, mas provoca diarreias e dores de barriga”, explica a mãe Rosália, que soube da Make-A-Wish através da médica do IPO de Lisboa, que lhe falou na possibilidade de o filho realizar algo de que gostasse muito. E não foi difícil chegar ao sonho do Luís: viajar de comboio com o maquinista e também de conhecer o cockpit de um avião.
No dia 4 de dezembro, e depois de cinco meses do primeiro contacto com a Make-A-Wish, chegou o grande dia para Luís, aqui relatado pela mãe: “Foi tudo tratado em segredo. Estávamos na Gare do Oriente e ele pensava que ia andar de regional até Santarém, mas quando viu que estava na linha do Alfa percebeu de imediato que o destino era outro. Chorou de tanto rir. Há muito que queria andar de Alfa. Ele sabe tudo sobre comboios, linhas, de onde vêm, qual o destino…”
A viagem até ao Porto foi feita entre a cabine do maquinista e os relatos que ia fazendo aos pais. Um deles surpreendeu a mãe: “O maquinista disse-lhe que era um trabalho complicado, que estava
Emma 5 ANOS gostava de conhecer a PrincesaAriel
Salvador 4 ANOS gostava de dar um beijinho a um golfinho
Daniel 14 ANOS gostava de andar de autocarro