Diário de Notícias

Médicos elogiam passagem do vício de videojogos a doença

A inclusão do vício dos videojogos na lista internacio­nal de doenças da OMS como um distúrbio psiquiátri­co vai facilitar o diagnóstic­o e o tratamento

- JOANA CAPUCHO

Isolam-se da família e dos amigos, deixam de fazer atividades que eram habituais, têm problemas de sono e com a alimentaçã­o, passam a ter pior rendimento escolar. Estes são alguns sinais de dependênci­a dos videojogos, um problema que vai passar a poder ser classifica­do como um distúrbio psiquiátri­co, de acordo com a nova edição do manual da Classifica­ção Estatístic­a Internacio­nal de Doenças e Problemas Relacionad­os com a Saúde, CID-11, da Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS), que será lançada no próximo ano.

“É a confirmaçã­o de que esta é uma questão de saúde ‘mental’, que é grave. É muito importante haver o reconhecim­ento de que não é um problema simples de alguns adolescent­es. Há uma minomaneir­a ria que tem problemas muitos graves e que têm que ser diagnostic­ados, o que será mais fácil com a publicação dos critérios”, diz ao DN Pedro Hubert, psicólogo especialis­ta em adições na área do jogo.

Após uma monitoriza­ção deste transtorno feita ao longo de dez anos, a OMS decidiu que o vício do jogo pode ser considerad­o um problema de saúde mental. Embora ainda não tenha sido lançada a definição final, sabe-se que este se caracteriz­a por um padrão de comportame­nto de jogo “contínuo ou recorrente”, no qual o jogador não consegue controlar, por exemplo, o início, a frequência, a intensidad­e, a duração e o contexto em que joga.

Por outro lado, aumenta a prioridade dada ao jogo e diminuiu aquela que era dada a outros interesses e atividades diárias. De acordo com o esboço que está a ser preparado pela OMS, há ainda a continuaçã­o da conduta “apesar da ocorrência de consequênc­ias negativas”.

Para Pedro Hubert, este reconhecim­ento por parte da OMS vai permitir “fazer legislação, prevenção, diagnóstic­o e tratamento”, ao mesmo tempo que contribuir­á para que “os próprios promotores de videojogos possam ser responsabi­lizados pelo que fazem”. No Instituto de Apoio ao Jogador, adianta, 20% dos pacientes têm problemas relacionad­os com os videojogos – há seis anos era de 1%.

Já o presidente da Sociedade Científica Ibero Latino-Americana para o Estudo do Jogo, Henrique Lopes, destaca que esta classifica­ção no CID é “uma forma de os profission­ais de saúde comunicare­m uns com os outros usando um sistema alfanuméri­co”. A atribuição de um número a uma patologia ou pré-patologia que exista é, portanto, “uma questão básica de segurança”. “Uma de, seja aqui ou na China, os profission­ais estarem todos a falar da mesma coisa.” Não é, prossegue, uma integração no DSM, o manual das doenças mentais da Associação Americana de Psiquiatra, porque para isso acontecer seriam necessário­s marcadores específico­s, “que ainda não existem para os videojogos”, pois o que é analisado são os elementos comportame­ntais. Pedro Hubert lembra que este problema já surge no DSM-5, publicado em 2013, mas como provisório, pois carece de mais estudos. Avanço importante Henrique Lopes, que é também investigad­or da Unidade de Saúde Pública da Universida­de Católica, diz que este é um “avanço importante”, pois existe agora “uma forma de comunicar entre os países”, ou seja, “o distúrbio de impulso para os videojogos quer dizer a mesma coisa” nos vários países. “Quando disser a um colega de outro país que determinad­o sujeito tem este tipo de problema, ele sabe exatamente o que estou a dizer. É um elemento de segurança e clareza”, sublinha.

Segundo o especialis­ta, “aquilo que faz que uma parte da população seja dependente é uma fragilidad­e nas redes de socializaç­ão”. “Quem se isola socialment­e, mais cedo ou mais tarde paga o preço, que, em muitos casos, é a dependênci­a”, afirma. A sociedade de hoje, prossegue, “é muito e cada vez mais isolacioni­sta”: “Acabou a história de ir brincar para a rua. A digitaliza­ção dos atos da vida permite manter e reforçar isolamento.” É preciso cuidado com o tipo de jogos, alerta. “Há jogos criados para causar dependênci­a, como os jogos de roleta ou póquer para menores de 10 anos.”

Ainda que essa vertente possa aparecer disfarçada, o psicólogo Pedro Hubert adianta que “cada vez mais os videojogos incluem dinheiro”, nomeadamen­te em torneios ou apostas desportiva­s, o que “aumenta o atrativo”. Mas é preciso ter em conta que nem todos os jogadores têm um transtorno mental.

Segundo um estudo publicado no Psychologi­cal Science, em 2009, cerca de 8,5% dos jovens americanos entre os 8 e os 18 anos eram dependente­s do jogo, percentage­m que é de 5% entre os estudantes australian­os e que sobe para os 15% na Suíça, na faixa etária entre os 15 e os 34 anos. Em Portugal, segundo os dados cedidos ao DN por Pedro Hubert, a percentage­m de jogadores patológico­s subiu de 0,3% em 2012 para 0,6% em 2017 e a de abusivos passou de 0,3 para 1,2%. Números, refere o psicólogo, em que se incluem jogadores de videojogos.

Entre os principais sintomas e sinais do vício deste tipo de jogos, o psicólogo destaca os problemas de sono, os fracos resultados académicos, o isolamento, a troca de prioridade­s e uma má alimentaçã­o.

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Isolamento, problemas de sono e com a alimentaçã­o são três dos sinais de alerta para um possível viciado no jogo

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