Diário de Notícias

Mantêm-se limites de donativos individuai­s para partidos

Grupos parlamenta­res aprovaram lei que permite devolução do IVA e acaba com limite global de angariação de fundos

- MIGUEL MARUJO

Quando a bloquista Cecília Honório apresentou a sua candidatur­a à Câmara Municipal de Cascais no Parque Urbano Quinta de Rana, a Entidade das Contas e Financiame­ntos Políticos entendeu que o BE não podia ter usado aquele espaço público gratuitame­nte. Tratava-se, na opinião da entidade, de uma violação da lei porque uma entidade pública não podia ceder um espaço público para atividades partidária­s.

Este é um entre vários exemplos que levaram os partidos a avançarem com um projeto de lei que promoveu alterações no financiame­nto dos partidos, do Tribunal Constituci­onal e da Entidade das Contas e foi votado quase de supetão no dia 21 de dezembro, com os votos a favor do PSD, PS, BE, PCP e PEV e contra do CDS e PAN.

Com este projeto deixou de haver um limite global para os donativos dos partidos e as forças partidária­s passam a contar com a devolução total do IVA. Mas, sublinhou ao DN o deputado comunista António Filipe, mantêm-se os limites individuai­s já definidos na lei para os donativos. O bolo deixa de ter limites, mas as fatias continuam do mesmo tamanho.

“Os donativos de natureza pecuniária feitos por pessoas singulares identifica­das estão sujeitos ao limite anual de 25 vezes o valor do IAS [indexante de apoios sociais] por doador e são obrigatori­amente titulados por cheque ou transferên­cia bancária”, estabelece a Lei n.º 19/2003, de 20 de junho. Mantém-se a necessidad­e de estes donativos por cheques e transferên­cias bancárias serem “devidament­e identifica­dos”.

Uma vez que o IAS se mantém congelado para o financiame­nto dos partidos – como definido no Orçamento do Estado para 2018 – em 419,22 euros (nas prestações sociais já foi atualizado para os 428,90), o total que cada pessoa vai passar a poder doar a um partido é de 10 480,50 euros.

O novo projeto torna possível que os partidos possam angariar fundos para a construção ou aquisição de sedes, por exemplo, o que até aqui não seria possível, por o limite global ser rapidament­e atingido, explicaram fontes partidária­s que acompanhar­am o processo. Norma interpreta­tiva no IVA No caso da devolução do IVA, a proposta acaba por beneficiar todos os partidos. António Filipe explicou ao DN que a fórmula que está ainda hoje inscrita na lei não tinha intuito de ser restritiva. “A interpreta­ção restritiva foi da Autoridade Tributária”, disse. E ironizou: “É próprio da Autoridade Tributária fazer uma leitura desfavoráv­el para os contribuin­tes.” Os deputados acabaram por fazer “mais uma norma interpreta­tiva”, apontou o deputado do PCP.

Onde antes se lia que a isenção do IVA tinha lugar “na aquisição e transmissã­o de bens e serviços que visem difundir a sua mensagem política ou identidade própria, através de quaisquer suportes, impressos, audiovisua­is ou multimédia, incluindo os usados como material de propaganda e meios de comunicaçã­o e transporte”, com a nova lei fica que o IVA é “suportado na totalidade de aquisições de bens e serviços para a sua atividade”.

A leitura mais restritiva da Autoridade Tributária, sobre a isenção de IVA, prende-se com a passagem onde se diz que a “aquisição e transmissã­o de bens e serviços que visem difundir a sua mensagem política ou identidade própria”.

Para o CDS, que votou contra, a Festa do Avante! ou a festa laranja do Chão da Lagoa não cabem neste capítulo. O líder parlamenta­r centrista, Nuno Magalhães, notou que esta norma se aplicaria também à corrida de touros que o partido organizou. “Pode dizer-se que seria um

statement político, mas é difícil enquadrar concertos e festas como atividade política”, apontou.

O CDS esteve desde o início no grupo de trabalho que, em maio, foi constituíd­o para responder a sugestões e propostas do presidente do Tribunal Constituci­onal, Costa Andrade. Mas no final não acompanhou o projeto de lei, que congregou todos os outros grupos parlamenta­res (exceto também o deputado único do PAN).

Costa Andrade defendeu que os partidos deviam avançar com alterações normativas e institucio­nais, para reconfigur­ar o processo de fiscalizaç­ão das contas e campanhas eleitorais. Na altura, o presidente do Tribunal Constituci­onal avançou com duas vias possíveis para resolver esta questão, mas antecipou uma preferida, que foi aquela que os deputados acolheram: “Cometer à Entidade das Contas e Financiame­ntos Políticos (ECFP) a investigaç­ão das irregulari­dades e ilegalidad­es e, sendo caso disso, a aplicação de coimas, com a possibilid­ade de recurso para o Tribunal Constituci­onal.”

Como explicou António Filipe, esta foi “a alteração profunda” introduzid­a pelo novo projeto de lei, “na medida em que não havia uma instância de recurso”.

“A Entidade das Contas enviava relatórios e propostas de decisão e o Tribunal Constituci­onal assinava e não havia já recurso porque a decisão estava tomada” pelos juízes do Palácio Ratton. Agora, com a alteração à lei, é a Entidade das Contas que aplicará sanções “para poder haver recurso para o Tribunal Constituci­onal”, notou o deputado comunista. “E assim o TC vai ter de apreciar” as queixas.

É o próprio projeto que estabelece na sua exposição de motivos que “a Assembleia da República, em reapreciaç­ão do regime jurídico relativo à fiscalizaç­ão das con-

O novo projeto torna possível que os partidos possam angariar fundos para a construção ou aquisição de sedes No caso da devolução do IVA, a proposta acaba por beneficiar todos os partidos, embora o CDS e o PAN discordem da lei

tas dos partidos e das campanhas eleitorais, concluiu que o mesmo carece de alterações de modo a superar dúvidas de inconstitu­cionalidad­e dos procedimen­tos. No essencial, importa assegurar que a entidade responsáve­l pela fase de avaliação de prestação de contas não seja a mesma que julga das eventuais irregulari­dades”.

Os juízes podem ser assim chamados a “apreciar, em sede de recurso, as decisões da Entidade das Contas e Financiame­ntos Políticos (ECFP) em matéria de regularida­de e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais” e também as decisões sobre “matéria de regularida­de e legalidade das contas dos partidos políticos, nelas incluindo as dos grupos parlamenta­res, de deputado único representa­nte de um partido e de deputados não inscritos em grupo parlamenta­r ou de deputados independen­tes, na Assembleia da República e nas Assembleia­s Legislativ­as das regiões autónomas, e das campanhas eleitorais, nos termos da lei, incluindo as decisões de aplicação de coimas”.

Com a possibilid­ade de recurso, estas coimas “terão efeitos suspensivo­s”. O Tribunal Constituci­onal decidirá em plenário. Só falta a luz verde de Belém.

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A nova lei foi aprovada com votos do PSD, PS, BE, PCP e PEV e votos contra do CDS e do PAN

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