Diário de Notícias

Os deuses não enlouquece­m e os presentes não caem do céu

- POR MARIA DE LURDES RODRIGUES

1No início de cada ano, são comuns os inventário­s de desejos. Eu, como muitos outros portuguese­s, desejo que, em 2018, a economia continue a crescer, com reflexos tanto no aumento dos rendimento­s das famílias como na redução do défice orçamental e da dívida pública. Desejo que Mário Centeno, como presidente do Eurogrupo, possa exercer influência positiva sobre a política económica europeia, com consequênc­ias na coesão e na integração mais equilibrad­as de todos os Estados membros.

Para que não sobrem promessas, desejo que possamos conhecer as propostas dos vários grupos de trabalho constituíd­os para a reforma das urgências na saúde, dos cuidados de saúde primários, dos cuidados continuado­s ou do envelhecim­ento ativo. Que dessas propostas resultem políticas públicas de reforço da qualidade e da sustentabi­lidade do Serviço Nacional de Saúde, em particular da sua componente pública.

Desejo que, nos domínios da educação e da formação, arranquem finalmente, com escala, os programas de formação certificad­a de adultos, centrados em objetivos claros de qualificaç­ão de nível secundário para todos e não apenas para os mais jovens.

Desejo que possa ser promovido um debate sobre os bloqueios no acesso ao ensino superior para milhares de jovens que terminam o secundário e não prosseguem estudos. Que desse debate resultem políticas públicas eficazes, de apoio social, que contribuam para diminuir o número de jovens que deixam de estudar por razões decorrente­s das dificuldad­es económicas das suas famílias.

Desejo que, na ciência, as instituiçõ­es de ensino superior decidam fazer parte da solução do problema do emprego científico, abrindo a possibilid­ade de um novo impulso na integração, nas universida­des, dos investigad­ores e das unidades de investigaç­ão.

Desejo que se concretize a prometida reprograma­ção dos fundos estruturai­s, para que o investimen­to público em projetos nacionais mobilizado­res, como o do desenvolvi­mento da ferrovia e dos portos, ou o do desenvolvi­mento científico e tecnológic­o, sejam prosseguid­os sem hesitações.

Desejo que sejamos capazes de valorizar de forma consequent­e o conhecimen­to hoje disponível em matéria de prevenção de incêndios e de organizaçã­o de meios de combate, que se concretize a reforma das florestas e da gestão do território, e que, nesses processos, sejam envolvidas e responsabi­lizadas as autarquias.

Desejo mais, no que respeita ao poder autárquico. Que a descentral­ização de competênci­as para os municípios, acompanhad­a dos necessário­s mecanismos de monitoriza­ção, nos permita desenvolve­r políticas de proximidad­e mais eficazes na diminuição das desigualda­des territoria­is.

Desejo um novo ano com mais imigrantes e com passos decisivos no sentido de nos começarmos a redefinir como nação de imigração, mais cosmopolit­a, em alternativ­a a um país em decadência demográfic­a acelerada, isolado do mundo, fechado sobre si próprio.

E, finalmente, no capítulo da prestação de contas, um desejo que não é uma promessa nem está ainda na agenda política de qualquer partido: a instituiçã­o de mecanismos rigorosos e consequent­es de acompanham­ento e de avaliação independen­te das políticas públicas. Avaliação não apenas das políticas económicas, mas também das políticas de regulação, das políticas de investimen­to público, das políticas de educação e formação, das políticas de saúde e proteção social, das políticas de justiça. A avaliação das políticas públicas é um meio para proteger e valorizar as próprias políticas públicas, porque permite melhorar a sua qualidade e eficiência. Mas é também um meio para clarificar escolhas e decisões políticas futuras.

2No início de cada ano são também comuns os balanços. E é já uma banalidade dizer que o balanço do que se passou em Portugal nas últimas décadas é positivo. Melhoraram muito as condições de vida dos portuguese­s, na habitação, nos cuidados de saúde, na proteção social e na educação. Hoje, em Portugal, nada é como dantes, seja na ciência ou na economia, nos meios de comunicaçã­o, nas oportunida­des de qualificaç­ão para as novas gerações, na solidaried­ade para com os mais velhos, na participaç­ão e na liberdade de expressão. Também não é novidade o reconhecim­ento do muito que nos falta fazer, em todos os domínios. Sobretudo quando comparamos a nossa situação com a de outros países do espaço europeu, ou do espaço da OCDE, tomamos consciênci­a da distância e da necessidad­e de continuar a investir em políticas públicas orientadas por objetivos comuns de modernizaç­ão e desenvolvi­mento.

Mas, sobre balanços, quero apenas dizer uma coisa muito simples. Os progressos registados no nosso país não caíram do céu, foram o resultado de políticas públicas, da ação de governos, de escolhas políticas e do trabalho de muitos portuguese­s. Para o que falta fazer, não podemos esperar sentados que “lá de cima” nos cheguem presentes, apesar do tempo de Natal. Os deuses não enlouquece­m e os presentes não caem do céu.

Desejo que possa ser promovido um debate sobre os bloqueios no acesso ao ensino superior para milhares de jovens que terminam o secundário e não prosseguem estudos

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