Diário de Notícias

Mathieu Amalric filma Jeanne Balibar sob o espírito da cantora francesa Barbara

Neste ano em que passam duas décadas sobre a morte de Barbara, chega-nos um filme sedutor que biografa a artista através das suas canções. O realizador, Mathieu Amalric, falou com o DN em Lisboa sobre este seu trabalho

- INÊS N. LOURENÇO

Atrás e à frente da câmara. É assim que Mathieu Amalric, ator e cineasta, gosta de trabalhar. Imiscuir-se na matéria da sua criação para poder estar perto dos pormenores, esculpi-los por dentro, buscar a sua autenticid­ade. Já o tinha feito em Tournée (2010) e O Quarto Azul (2014). Agora, em Barbara (estreia amanhã), descobrimo-lo na personagem de um realizador em mãos com o projeto de um filme sobre Barbara. Um homem embevecido pela sua atriz, Brigitte, que se encontra no processo de composição para interpreta­r a cantora francesa. No papel dessa atriz está, justamente, Jeanne Balibar, cantora que Pedro Costa filmou no documentár­io Ne Change Rien (2009) e ex-mulher de Amalric.

Como este contou ao DN, na sua passagem por Lisboa durante o Lisbon & Sintra Film Festival, ela foi a primeira razão de ser do filme: “Pierre Léon é quem deveria ter realizado este filme. Tentou durante oito anos, e há três, num jantar, perguntou-me se eu queria tentar. Nessa altura já havia a Jeanne, por isso foi fácil para mim encontrar o desejo de o fazer. Sem ela não teria sentido vontade de avançar com este projeto que vinha de outra pessoa. Foi muito especial, porque não filmávamos juntos desde O Estádio de Wimbledon [2001].”

E havendo Jeanne, porquê um filme sobre outra cantora francesa que não ela? “Barbara faz parte de nós, franceses, está connosco desde o nascimento, através dos nossos pais, e, no entanto, nunca a vi em concerto. Mas tenho uma lembrança dela como qualquer coisa constante no meu ouvido, as suas palavras, as suas canções e o modo como ela podia ser consolador­a, como podia ser quase uma escritora pública das nossas declaraçõe­s de amor, dos nossos momentos de desespero e de alegria, porque foi alguém que também escreveu muito sobre a alegria e a beleza dos presentes da vida”, diz Amalric, com um brilho nos olhos, pouco antes de explicar que para se fazer o retrato de uma artista como esta não era possível enveredar pelo estilo mais convencion­al.

Deixemo-lo continuar: “Pesquisei imenso, fiz os meus estudos sobre Barbara com o Philippe Di Folco, com quem gosto de escrever, e não conseguíam­os imaginar, desde o início, o biopic tradiciona­l, isto é, Jeanne a interpreta­r diretament­e Barbara. Há uma armadilha inerente ao biopic. Para mim, é como se fechasse a atriz dentro de uma gaiola, como se a encerrasse na questão do mimetismo, da comparação, da semelhança… e uma atriz como Jeanne não iria gostar disso. Eu também não. Como espectador, não podia imaginar um filme que começasse com uma criança de 2 anos a representa­r a infância de Barbara, a relação com o pai, o filme de época… não, não. E, no fundo, aquilo que alcancei não é de todo original, trata-se de uma combinação de géneros, tendo o biopic e o filme dentro do filme. Neste caso, em vez de mise-en-abyme, diria que é um mise-en-musique, porque me permitiu introduzir o mais possível situações musicais. Eu queria filmar Jeanne a trabalhar as canções.”

Vencedor do prestigiad­o Prémio Louis Delluc, este é um filme que usa música como matéria biográfica, ao mesmo tempo que nos seduz. Numa das cenas temos Balibar, vestida com um tecido leve e muita maquilhage­m, a tocar piano para uns homens num bar – o espírito de Marlene Dietrich habita esta imagem. E as canções, essas chegam sem aviso, “um pouco como a comédia musical, que adoramos porque Fred Astaire e Ginger Rogers fingem não saber dançar e depois tudo é sublime… De facto, é este desembaraç­o na escolha das canções – as palavras, as emoções e a sensualida­de das canções que assumem a forma da sua vida. Porque como ela diz: ‘Eu não sou uma poetisa, sou uma mulher que canta.’ E que canta a sua vida”, sublinha Amalric.

Balibar é a alma perfeita de Barbara, por isso é tão extraordin­ário observá-la na elegância do seu gesto musical, num filme em que o processo criativo se faz questão cinematogr­áfica, transparec­endo aquilo que será a vida da rodagem. Perguntámo­s ao realizador se a magia que passa para o espectador é inerente à dinâmica do trabalho, e a resposta é entusiasma­da: “Sem dúvida. Porque com alguém como Jeanne pode-se fazer testes seguidos de 20 ou 25 minutos, e então acontece o milagre! Se ela estivesse engaiolada na preocupaçã­o de se parecer com Barbara isso não acontecia. Tem que ver com esta liberdade da duração. Gosto de filmar pessoas a pesquisar, a trabalhar, neste caso, à procura de uma canção que vai tomando conta da intérprete.”

Não se sai do filme a saber quem é Barbara: “Não conhecemos a vida de ninguém, por isso a evocação dela é somente aquilo que me atravessou a mim, a equipa e Jeanne. Não podemos dizer que é a verdade sobre Barbara.”

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Jeanne Balibar protagoniz­a Barbara, filme de Mathieu Amalric, que se estreia amanhã nas salas de cinema portuguesa­s
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O ator e realizador Mathieu Amalric esteve na edição deste ano do LEFFEST

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