Diário de Notícias

A quem quiser enfiar a cartola

- PAULO TAVARES

Éfácil procurar o clique e aproveitar a sede de ódio contra o sistema. Cada vez mais fácil. Trago aqui dois exemplos. Num tempo em que os factos contam cada vez menos, em que à indignação basta um título visto de raspão no Facebook ou no Twitter, o jornalismo e a opinião assinada por jornalista­s têm obrigações acrescidas de rigor.

Primeiro caso: as alterações à lei do financiame­nto dos partidos. Os factos estão nas primeiras páginas desta edição e, em boa medida, contrariam a opinião publicada nos últimos dias. É certo que os partidos se sentaram num grupo de trabalho, no Parlamento, e decidiram resolver os problemas financeiro­s e contabilís­ticos uns dos outros. Foi às escondidas? Sim, mas essa é a norma destes grupos de trabalho. Não há acesso a jornalista­s e só conhecemos o que lá se passa quando os partidos falam à margem. Na verdade perdeu-se uma boa oportunida­de para algum debate público. É igualmente certo que o tempo do voto foi estranho – à beira do Natal – e que os partidos tudo fizeram para que a coisa passasse despercebi­da. Basta ler o preâmbulo das alterações, onde é dito que se trata de um conjunto de alterações pontuais à lei. Não é, de todo, disso que se trata.

Dito isto, não é verdade que tenha desapareci­do o limite aos donativos individuai­s e também não é verdade que tenham sido aligeirada­s as regras de publicidad­e e transparên­cia desses donativos. Se há algo que resulta destas alterações é precisamen­te um controlo mais apertado às contas dos partidos. Conclusão? A história não precisava do sal e pimenta a mais, sendo que é precisamen­te esse excesso que ficará agora a marcar o debate nas redes. Ou seja, a indignação geral está parcial e desnecessa­riamente fundada em factos falsos.

Segundo caso, mais simples de explicar: a história das cartolas para a festa de fim de ano em Lisboa, compradas pela EGEAC. Os títulos andaram todos mais ou menos à roda disto: “Câmara de Lisboa gasta 57 mil euros em cartolas para a passagem de ano”. Valeu um dia de discussão sobre se era uma despesa justificad­a pela vaga de turismo, se as cartolas eram de bom gosto, se o autarca não estaria a ensandecer, etc. No meio de tudo isto, apenas um jornal se deu ao trabalho de ouvir a EGEAC e chegou à conclusão de que a despesa da Câmara estava totalmente coberta por um patrocínio. Lisboa não vai gastar um cêntimo nas cartolas. Quem fez as perguntas? Uma jornalista do site Notícias ao Minuto, que ainda assim manteve o título. Passando ao lado da ironia de ter sido o Notícias ao Minuto a fazer o trabalho que mais ninguém fez, está bom de ver que precisamos todos de um pouco mais de ponderação antes de lançarmos combustíve­l nas redes.

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