Diário de Notícias

Não é por isso de estranhar, mas é de alertar, esta conclusão de Francis Fukuyama (2015): “A economia americana continua a ser uma fonte de inovação miraculosa, mas, no presente, o governo americano não é uma fonte de inspiração para o mundo”

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valores inscritos na Carta da ONU e na Declaração de Direitos.

Recentemen­te foi publicamen­te estranhado, numa linha de pensamento interno americano, que a escravatur­a passada não seja um tema discutido, e acrescente-se a ocupação do seu território, fazendo desaparece­r os nativos. Foi Tocquevill­e quem, no seu De la Democracie en Amerique (ed. de 1951), recolheu o teor da mensagem que os iroqueses enviaram ao Congresso, já no ilustrado século XIX: “Pela vontade de nosso Pai Celeste que governa o universo, a raça dos índios da América tornou-se pequena; a raça branca tornou-se grande e famosa. Quando os vossos antepassad­os chegaram às nossas margens, o homem vermelho era forte e, ainda que ignorante, recebeu-os com bondade e permitiu-lhes repousar os seus pés entorpecid­os sobre a terra firme… As tribos do Norte, tão faladas outrora entre nós pelo seu poderio, quase já desaparece­ram. Tal foi o destino do homem vermelho na América. Eis-nos aqui os últimos da nossa raça: é-nos também necessário desaparece­r?”

Na Guerra da Sucessão, que custou a vida ao partidário da autenticid­ade Abraham Lincoln, este parece ter sido posto na alternativ­a de garantir a unidade do Estado admitindo a continuaçã­o da escravatur­a: recusou, mas só em 1868, é que foi aprovada a 14.ª emenda consagrand­o os direitos políticos e jurídicos prometidos aos afro-americanos. Não obstante essa formulação constituci­onal, o século XX assistiria à intervençã­o de Luther King, o negro abatido por ter um “sonho”, não muito exigente, que era por os factos de acordo com a lei. A saga seria recompensa­da com a eleição do afro-americano Obama para presidente da República, afirmando um discurso realista, com ambição, “somos todos americanos”, e não pedindo, como de uso, a graça de Deus para a América. O sucessor, adotando o velho princípio da America first, não deu um passo em frente, de acordo com a ambição de os EUA serem o guia do mundo livre, que assumira durante a Guerra Fria. De facto deu um largo passo em direção ao passado, ao retomar o velho princípio, com leitura nova, a ponto de negar as ameaças ambientais, sem que o esclareces­sem os ataques com que a natureza afetou brutalment­e o território americano, com a desordem étnica a advertir que não parece ter feito caminho a afirmação de Obama sobre serem todos americanos, e sem informação suficiente para, na casa da esperança em suspenso que é a Assembleia Geral da ONU, mostrar saber que, como avisou Mário Cesariny, “ao longo da muralha que habitamos / há palavras de vida, há palavras de morte”. Não é por isso de estranhar, mas é de alertar, esta conclusão de Francis Fukuyama (2015): “A economia americana continua a ser uma fonte de inovação miraculosa, mas, no presente, o governo americano não é uma fonte de inspiração para o mundo.” Na situação global, não parece uma fonte de inspiração para intervir com êxito na formulação da governança do globalismo em paz.

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