Diário de Notícias

A metamorfos­e ambulante

- JOÃO ALMEIDA MOREIRA JORNALISTA

No Brasil, há um candidato às eleições de 2018 que é o símbolo do combate à corrupção. Há outro que se tornou sinónimo de corrupção. Um concorrent­e autointitu­la-se “paz e amor”, capaz de dialogar com toda a gente, mesmo quem estiver nos seus antípodas políticos. Outro diz que se transmuta em cobra venenosa se o contrariar­em.

Há um que seguiu a cartilha do FMI à letra, enquanto outro, pelo contrário, passou a juventude a gritar “fora FMI”. E há aquele pretendent­e ao Planalto que votou contra o Plano Real e o outro que se beneficiou como ninguém da mudança de unidade monetária de cruzeiro para real.

Sob o comando de um dos candidatos às eleições, os ricos ficaram mais ricos; sob o comando de outro, os pobres ficaram menos pobres. Um faz os brasileiro­s corarem de vergonha pela imagem que passa do país para o estrangeir­o e outro é o mais famoso e aclamado de todos os estadistas locais mundo afora. Um ama Dilma, outro detesta o que o governo dela significou.

Um lidera as sondagens em todos os cenários e outro pode ficar impedido pelos tribunais de concorrer.

O candidato de que se falou acima é Lula. Só Lula. Sempre Lula. Ou a “metamorfos­e ambulante”, como o próprio se definiu, em 2007, parafrasea­ndo um tema do rei brasileiro do rock psicadélic­o, Raul Seixas (1945-1989).

Caso o metalúrgic­o reformado que estava condenado ao anonimato mas se tornou fenómeno global de popularida­de puder concorrer no próximo dia 7 de outubro, que candidato será? E, se ganhar, que presidente será?

O operário implacável que, de barba negra cerrada, raros sorrisos, megafone na mão esquerda e mão direita em riste, esbravejav­a do tejadilho dos carros contra o FMI? O líder popular carismátic­o que levou um batalhão de estudantes, intelectua­is e artistas a segui-lo na criação do Partido dos Trabalhado­res (PT)? O eterno perdedor de eleições, rotulado de comunista e bolivarian­o, que denunciava as injustiças da cobertura mediática da campanha eleitoral e assumia o papel de corajoso lutador contra a corrupção instalada em Brasília?

O chefe de Estado, já de barba grisalha, incensado pelo povo, que alçou 50 milhões de compatriot­as miseráveis à sociedade de consumo, recebeu a aprovação de 80% dos eleitores e foi, segundo Obama, “o mais popular político à face da Terra”? Mas que enquanto isso piscava o olho aos donos do PIB e fazia dos patrões, que antes demonizara, parceiros de whiskies e charutos? O líder do PT que diz jamais ter tido ciência de que dezenas de membros do seu partido, a começar pelos seus mais íntimos braços direitos, assaltavam os cofres públicos e pagavam mensalidad­es a deputados para aprovarem os seus projetos? O político, pragmático até à medula e hábil como um Maquiavel tropical, que na pele do seu alter ego Lulinha Paz e Amor apertou a mão a Paulo Maluf, velho ódio de estimação, acolheu Collor de Mello e outros que tais, numa tenebrosa transação de poder, e se tornou sócio do PMDB, de Sarney, de Temer e de tantos outros caciques?

Ou a reserva moral do país, agora de barba quase branca, que chama de golpistas aqueles com os quais se amancebou no passado, e que, acossado pela justiça, maldiz a Operação Lava-Jato e ameaça tornar-se “uma jararaca”?

Signifique o termo o que significar, o “povão”, aqueles que antes de Lula nem sonhavam ter frigorífic­o, quanto mais casa, ou acabar o ensino médio, quanto mais entrar numa universida­de, e hoje têm chaves no bolso e diploma na parede, não têm dúvidas em festejá-lo e votar nele. Signifique o termo o que significar, o “mercado”, aquela volátil entidade que aplaude as reformas liberais de Temer, não tem dúvidas em execrá-lo e votar em outro qualquer.

Mas “povão” e “mercado” deviam ter dúvidas. Porque Lula, 72 anos de vida e 37 de política, mesmo sendo o político mais conhecido do Brasil, é uma dúvida permanente. É tudo e não é nada. É a tal metamorfos­e ambulante.

Mas “povão” e “mercado” deviam ter dúvidas. Porque Lula, 72 anos de vida e 37 de política, mesmo sendo o político mais conhecido do Brasil, é uma dúvida permanente

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