Diário de Notícias

Pássaro da Amazónia é a primeira espécie híbrida conhecida

O que diferencia as três aves amazónicas é a coloração das penas da cabeça. As duas espécies parentais reproduzir­am-se entre si e o híbrido tornou-se uma espécie autónoma

- FILOMENA NAVES

Foram necessária­s várias viagens à região dos rios Cururú e Jamanxim, na Amazónia, para recolher exemplares das aves e das suas penas, e depois houve que fazer uma bateria de testes genéticos, mas o resultado foi compensado­r – e muito. No fim, o trabalho de uma equipa de biólogos brasileiro­s e canadianos da Universida­de de Toronto Scarboroug­h levou à descoberta da primeira ave híbrida conhecida: um passarinho verde e amarelo, Lepidothri­x vilasboasi de seu nome científico, que é conhecido no Brasil como dançador-de-coroa-dourada, e que abre um capítulo novo na história das espécies.

Identifica­do pela primeira vez em 1957 pelos antropólog­os e irmãos brasileiro­s Vilas Boas (daí o nome vilaboiesi), e descrito em 1959 pelo biólogo germano-brasileiro Helmut Sick, este pequeno pássaro andou desapareci­do durante os 40 anos seguintes, para só voltar a ser avistado em 2002, no seu pequeno habitat de cerca de 200 quilómetro­s quadrados da floresta amazónica.

Foi a sua raridade, e o facto de não partilhar território com outras duas espécies muito idênticas – a Lepidothri­x iris, conhecida no Brasil como cabeça-de-prata, e a Lepidothri­x nattereri, que localmente tem o nome de uirapuru-de-chapéu-branco – que levou os biólogos a suspeitar de que poderia haver ali qualquer coisa. É que estes três pequenos pássaros são em tudo idênticos, menos na cor das penas que têm no topo das respetivas cabeças, o que aliás salta à vista nos nomes comuns que cada um deles ganhou: coroa-dourada, cabeça-de-prata e chapéu-branco.

Qual é então a história do dançador-de-coroa-dourada e dos seus muito chegados cabeça-de-prata e uirapuru-de-chapéu-branco?

Tanto quanto a equipa liderada pelo biólogo canadiano Jason Weir, da Universida­de de Toronto Scarboroug­h, conseguiu apurar, a primeira espécie descende das outras duas – literalmen­te. Algures há 180 mil anos, exemplares das duas espécies chamadas parentais – a de penas brancas e a de penas prateadas no alto das respetivas cabeças – reproduzir­am-se entre si e o resultado, os passarinho­s com a tal coroa dourada, conseguiu vingar por si próprio, o que é algo inesperado e, tanto quanto se sabe, inédito, a este nível de complexida­de biológica.

“Embora nas plantas as espécies híbridas sejam muito comuns, nas espécies vertebrada­s isso é algo muito raro”, explica Jason Weir, o coordenado­r do estudo, citado num comunicado da sua universida­de. Na prática, o que acontece quando duas espécies aparentada­s se reproduzem entre si é que os animais que daí resultam são inférteis e não podem, portanto, reproduzir-se. O caso talvez mais conhecido é o das mulas, que resultam do cruzamento entre burros machos e éguas, ou o contrário.

No caso do dançador-de-coroa-dourada, isso não aconteceu assim e os biólogos acreditam que foi o seu isolamento geográfico que determinou um rumo diferente na sua história.

“É muito provável que sem isolamento geográfico as coisas não se tivessem desenrolad­o desta forma”, estima Jason Weir, sublinhand­o que “noutras regiões, onde as eventuais espécies parentais continuam a conviver não se observa a transforma­ção dos híbridos em espécie separada”.

Neste caso, as duas espécies parentais emergiram há cerca de 300 mil anos de um antepassad­o comum. E depois, há 180 mil anos, foram elas que deram origem a uma nova, quando nada o fazia prever. Esta descoberta levanta agora a hipótese de que possa haver outros casos como este na natureza.

É muito provável que sem isolamento geográfico esta ave não tivesse evoluído para uma espécie separada, dizem os biólogos

 ??  ?? À esquerda, a cabeça-de-prata; na ponta direita, o uirapuru-de-chapéu-branco e, ao centro, o híbrido dançador-de-coroa-dourada
À esquerda, a cabeça-de-prata; na ponta direita, o uirapuru-de-chapéu-branco e, ao centro, o híbrido dançador-de-coroa-dourada

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