Meia tonelada de explosivos cruzam o Tejo para o fogo-de-artifício do Ano Novo
Quatro plataformas com a carga explosiva estarão no Tejo, a uma distância de segurança de 250 metros do Terreiro do Paço. É daí que serão feitos os lançamentos de 15 mil peças pirotécnicas. Esta época do ano representa para o setor receitas na ordem dos q
As quatro plataformas que vão navegar pelo rio Tejo, da Margem Sul até Lisboa, com meia tonelada de explosivos para a noite do fim de ano foram vistoriadas dois dias antes pela Polícia Marítima nos estaleiros da Lisnave. Aqui, na Cova da Piedade, com vista para Lisboa, entre carcaças de barcos enferrujados e paredes com a arte urbana de Vhils, foi feita a montagem de dois dos maiores espetáculos de fogos-de-artifício do país, o de Lisboa e o de Almada, na noite da passagem do ano.
Cerca de 50 profissionais começaram a desmontar as caixas com tubos de lançamento – morteiros – e a armar os explosivos um mês antes desta noite. A montagem do espetáculo esteve entregue a 15 técnicos.
“As plataformas vão estar a uma distância de 250 metros da Praça do Comércio, o lançamento do fogo é programado, feito dali, à distância. Vamos cobrir a área da praça, 300 a 400 metros de largura, e vamos fazer algo que não fazíamos há muitos anos: trabalhar em cima dos ministérios”, explicaVítor Machado, 42 anos, sócio-gerente do grupo Luso Pirotecnia e um dos dois criativos que assinam o espetáculo do fogo-de-artifício do Terreiro do Paço (o outro é Nuno Fernandes).
Os lisboetas vão ver rebentar 15 mil peças pirotécnicas, com as maiores, de calibre 200, a subirem a 150 metros de altura. Dentro de água estará sempre uma lancha da Polícia Marítima para garantir a segurança e em terra esse apoio é prestado pela PSP.
“Em cima dos ministérios vai ser utilizada pirotecnia de proximidade. Montagem de muitas posições com efeitos mais pequenos à volta para criar a envolvência e o sincronismo com a música”, explicaVítor. Serão 12 minutos a olhar para o ar.
O show de pirotecnia de Lisboa rendeu ao Grupo Luso Pirotecnia (composto por quatro empresas de raiz familiar e um dos maiores do país) 74 mil euros, pagos pela EGEAC (Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural). Vítor e os sócios também conseguiram o contrato de Almada, que tem um orçamento mais modesto, de 25 mil euros.
Lisboa e Almada em harmonia Quando os ministérios localizados no Terreiro do Paço brilharem com os efeitos pirotécnicos, ao som da banda sonora composta por Beatbombers – e que integra samplers de Carlos Paredes e Amália num fundo eletrónico –, o fogo de Almada estará “em harmonia” com a sincronização na capital.
Nos estaleiros da Lisnave, Vítor Machado certifica-se com a equipa de técnicos de que os “morteiros” estão bem acondicionados e protegidos da chuva que tem vindo miudinha nos últimos dias. Se a água entrar, lá se vai o fogo, é matemático. Mas os maiores inimigos são o nevoeiro “porque depois não se vê o fogo-de-artifício” e vento “porque pode fazer mudar a distância de segu-
“Os morteiros fazem um lançamento a que nós chamamos balona, que é uma carga que tem um atrasozinho e quando sobe vai rebentar lá em cima e espalha os efeitos visuais de cores diferentes”, explica Vítor Machado, sócio-gerente do Grupo Luso Pirotecnia Efeitos especiais são efeitos de proximidade para criar determinados padrões, como formas geométricas Alguns dos explosivos têm cargas suficientes para rebentar com uma casa e até com uma área maior. “Temos morteiros de 90 gramas e outros de três ou quatro quilos” Os técnicos tiveram sempre a preocupação de proteger os tubos de lançamento ou morteiros da chuva. Com água não há fogo, é matemático
rança das plataformas”. Cada conjunto de morteiros tem uma carga explosiva específica e na caixa onde são transportados vem referida a respetiva cor (violeta, azul, vermelho, etc.) e se tem efeito cometa com cauda, estrela ou outros. “Hoje em dia já temos algumas ferramentas de digitalização que nos ajudam a trabalhar o movimento, a cor. Vamos ter alguns efeitos especiais feitos especificamente para o espetáculo. Como somos um dos maiores fabricantes de fogo-de-artifício em Portugal, asseguramos também esses efeitos.”
O Grupo Luso Pirotecnia tem também os seus próprios camiões de transporte e motoristas com formação em transporte de explosivos. Para além de serem donos das plataformas marítimas que vão levar o fogo até Lisboa. São autónomos em todas as fases da produção.
Não há no mundo muitos países produtores de pirotecnia, explica. Na Europa só Portugal, Espanha e Itália se dedicam a este setor. “Os Estados Unidos importam material nosso, por exemplo. Um trabalho interessante que fizemos para lá foi a cascata de fogo na ponte de São Francisco, aquando do seu aniversário”. Para os grandes espetáculos, o Luso Pirotecnia conta sempre com os seus freelancers, devidamente credenciados. Para Vítor, lançar foguetes “é um gosto que vem de criança”. Tornou-se autodidata na área, embora tenha frequência de curso superior na área de Gestão. “Para os meus colegas e sócios, isto foi uma coisa que veio de família. Para mim já não foi assim.” Há 20 anos que Vítor está na área, o mesmo número de noites de passa- gem de ano que passou a encantar os outros com o seu ofício. Fim de ano: quatro milhões de euros Nesta época do ano, com réveillons espalhados por todas as grandes e pequenas cidades do país, representa para o setor “receitas na ordem dos quatro milhões de euros”, refere David Costa, da Associação Nacional de Empresas de Produtos Explosivos (ANEPE), admitindo ser esse “um valor por baixo”. Só o contrato do Funchal, o maior e o mais caro fogo-de-artifício do país, é no montante de 800 mil euros e foi adjudicado à empresa Macedo Pirotecnia. “Temos alguns grandes contratos mas não temos o do Funchal”, lamentou, a propósito, Vítor Machado, explicando que o Luso Pirotecnia perdeu esse contrato há muitos anos.
“Todas as empresas de pirotecnia trabalham no fim de ano. Com valores diferentes, é certo. Serão cerca de 20 e depois ainda há as empresas-satélite, de eventos, que contratam espetáculos mas entregam a adjudicação às empresas licenciadas de pirotecnia”, explica o responsável da ANEPE.
Com o enorme fluxo de turismo em Portugal, o fogo-de-artifício no fim de ano está a ser um investimento cada vez mais atrativo para novas autarquias, porque é um motivo de atração para os visitantes. “Começam a aparecer novas autarquias a apostar no fogo-de-artifício da passagem do ano. É o caso de alguns municípios do litoral norte, como a Póvoa do Varzim, Vila do Conde ou Esposende, e também alguns do interior, como é o caso de Torres Novas”, conclui David Costa.