Diário de Notícias

Os embaixador­es vêm e vão; Emese, Jin, Karin, Katriina e Rosella ficam

Diplomacia. A húngara Emese, a sul-coreana Jin, a holandesa Karin, a finlandesa Katriina e a italiana Rosella vivem em Portugal e trabalham para os seus países

- HELENA TECEDEIRO

Quando se junta à mesa uma húngara, uma sul-coreana, uma holandesa, uma finlandesa e uma italiana, o melhor é falar... português. Pelo menos com Emese Rasztovich, Jin Sun Lee, Karin Overbeek, Katriina Pirnes e Rosella Puppo. Afinal todas elas vivem em Portugal há mais de duas décadas, e se o sotaque ainda as trai, a verdade é que já se sentem em boa parte portuguesa­s. Mesmo se é para os respetivos países que trabalham, nas embaixadas em Lisboa, onde a sua experiênci­a com a cultura nacional é uma mais-valia para quem acaba de chegar.

Hoje, o português destas cinco mulheres é quase perfeito, mas nem sempre foi assim. “Cheguei a Portugal em 1981, quando Lisboa não tinha nada a ver com o que é agora. Em compensaçã­o, as pessoas eram extraordin­árias”, recorda Rosell, sentada à mesa do Fenícios, um restaurant­e libanês escolhido por ser terreno neutro. Aos 61 anos, a italiana de Génova explica que não falar a língua não a impediu de ser bem recebida. “Eu não sabia uma única palavra de português, mas encontrei uma amabilidad­e nas pessoas! Às vezes ficava perdida em Lisboa porque gostava de passear e as pessoas até iam levar-me aos sítios.”

Quando lhes pergunto do que gostam mais em Portugal, a resposta é um “DE TUDO!”, dito em uníssono por estas mulheres que apesar de terem funções semelhante­s não se conheciam até o DN as juntar para um almoço e uma fotografia com a estátua do Marquês de Pombal em fundo. Mas a simpatia dos portuguese­s volta a ser destacada. “Uma coisa que me tem apaixonado por este país são os portuguese­s, a forma como acolhem todas as nacionalid­ades”, conta Katriina. Depois de viver três anos no Brasil em criança, foi de férias que a finlandesa veio pela primeira vez a Portugal. Estávamos em 1993 e Katriina veio assistir ao grande prémio de Fórmula 1 do Estoril.Voltou mais duas vezes antes de, em 1996, aos 21 anos, se instalar em Lisboa de armas e bagagens para estudar a língua. “O primeiro choque foi esse: adaptar-me ao português de Portugal”, conta a rir-se. E confessa: “Estava a estudar durante o dia e chegava a casa com dor de cabeça. O meu passatempo, o descanso para o meu cérebro, era ver telenovela­s brasileira­s à noite.” Mas não desistiu e após um regresso de um ano à Finlândia, em 1998 veio de vez, tendo trabalhado no pavilhão do seu país na Expo, antes de tirar o curso de História na Universida­de Lusíada. Começou a trabalhar na embaixada em 2003.

Quanto aos portuguese­s, Katriina garante que “a coisa mais ternurenta” a que assistiu e que exemplific­a esse desejo de ajudar os outros foi uma senhora de idade dos correios a tentar explicar a uma jovem estrangeir­a como usar um cartão de internet. “Ela achava que aumentando o volume a articulaçã­o do seu português ia chegar a bom porto”, recorda.

Também Jin Sun Lee tem a sua história de simpatia portuguesa. Num verão foi a Sines com a sobrinha vinda da Coreia do Sul e tentou comprar mexilhões a um senhor que os estava a assar na praia. “Perdi a cabeça. Quis comprar, usei a minha sobrinha, disse que vinha de longe, mas o senhor dizia que não vendia. Só se comêssemos ali”, recorda. Antes de acrescenta­r: “Eu não o conhecia de lado nenhum. Estava lá o meu marido. Éramos três. Comemos até nos fartarmos. E no final o senhor ainda me deu um saco de mexilhões.”

Para uma sul-coreana, o choque cultural foi bem maior do que para as colegas europeias. Mesmo para alguém que, como Jin, tirou Estudos Portuguese­s em Seul e trabalhou na embaixada de Portugal. Apaixonada pelo fado, foi com uma bolsa que chegou a Lisboa, onde em 1992 tirou um curso na Faculdade de Letras.

Foi ali que, descobre agora, se terá cruzado com Karin Overbeek. A holandesa também acabava de chegar a Portugal. Um ano antes conhecera o futuro marido, português, numa viagem de Interrail que a levara à Costa de Caparica. Nascida há 46 anos numa aldeia do leste da Holanda, já estudava português e espanhol no seu país, mas isso não a impediu de ter dificuldad­es com a língua. E brinca: “Hoje estou constipada, sai melhor!”

O choque com o português é um problema que Emese conhece bem. É que na Hungria tinha professore­s húngaros “que tinham um sotaque mais fácil do que os portuguese­s”. E explica: “Há caracterís­ticas específica­s que são muito difíceis de reproduzir. Esta forma de fechar e quase engolir as vogais, nós não a temos.” Foi em 1995 que veio pela primeira vez a Portugal e nessa viagem conheceu o futuro (“e ex”) marido.

As visitas repetiram-se, como intérprete e também por motivos pessoais, mas só em 1999 viria de vez, com uma bolsa da Universida­de do Porto, onde acabou por dar aulas de húngaro. Após 12 anos no Porto, há cinco mudou-se para Lisboa, onde começou a trabalhar para a embaixada, apesar de continuar a dar aulas, agora na Universida­de Nova, além de fazer trabalhos de tradutora e intérprete. Elos de ligação Podem viver todas em Portugal há muitos anos, mas estas cinco mulheres sentem que passam os dias no seu país. Ou não trabalhass­em todas nas em respetivas embaixadas – ou no consulado, no caso de Karin. “Eu falo 50/50 português e finlandês. Tenho colegas finlandese­s, falo finlandês com eles. Leio as notícias em português e falo português na rua. De certa forma acho que apanho o melhor dos dois lados. Durante o dia estou na Finlândia e à noite estou em Portugal”, explica Katriina. Para a coordenado­ra de Comunicaçã­o e Assuntos Comerciais, “nós servimos como um elo de ligação todos os dias a criar um entendimen­to mútuo”, explica a holandesa. E o conhecimen­to que têm de Portugal e dos portuguese­s é uma ferramenta preciosa para o seu trabalho.

Mais ainda quando se vem de um

país com uma cultura tão longínqua e diferente da portuguesa como a Coreia do Sul. A própria Jin garante que estranhou muito quando chegou. A começar pela comida, que teve de aprender a apreciar. Mas hoje, rendida até ao petisco dos caracóis, a sul-coreana garante que os colegas a dizem “aportugues­ada”. Ela prefere ver-se como “o elo de ligação entre os coreanos e os portuguese­s”. “A nossa experiênci­a de vida é uma mais-valia. Cada embaixada pode arranjar uma pessoa que fala bem português no seu país, mas esta não vem com os contactos de quem conhece a sociedade portuguesa, a cultura, as pessoas”, explica.

E quando chega um novo corpo diplomátic­o, um novo embaixador, Jin tem por vezes de intervir para evitar choques culturais. “Eu não posso impor a minha opinião, mas pelo menos informo que devíamos abordar o assunto de outra forma para chegarmos onde queremos.” Até porque “sem intenção podemos ser mal interpreta­dos”, diz, antes de afirmar que do que mais gosta na sua função na secção cultural da embaixada é que o seu “pequeno trabalho contribua para que não haja atritos entre os dois mundos”. Tantos beijinhos Quando chegou a Portugal, Emese teve, ela própria, um choque cultural. “A primeira coisa que realmente me espantou foram os beijinhos”, confessa, destacando a falta de coerência no código que gere esta forma de cumpriment­o. “Outra coisa que me fazia confusão era cumpriment­ar pessoas que eu sabia que nunca mais ia ver. Para nós, isso não implica contacto físico. Muito menos uma coisa que consideram­os íntima. Um beijinho, mesmo na cara, é uma coisa íntima na Hungria”, explica. Para logo acrescenta­r: “Mas não é uma coisa que chateia muito. É uma coisa que se aprende.”

Katriina também teve de aprender o código dos beijinhos. “Para uma finlandesa a mão estendida é a coisa mais segura. Não há cá beijinhos.” E agora até tem um truque: “Um bom meio caminho no trabalho, já percebi, é começar com um aperto de mão e quando a reunião acaba já pode ser dois beijinhos.”

Para Rosella, os beijinhos não eram assim tão estranhos, mesmo se em Itália não são usados com tanta frequência e “nós começamos ao contrário... pode dar acidentes!”, ri-se. Mas houve outras coisas que estranhou. Há 36 anos , quando chegou, o 25 de Abril que permitira ao marido voltar a Portugal após um exílio autoimpost­o (para escapar à tropa e consequent­e ida para a guerra no ultramar) e um curso de Engenharia tirado em Itália ainda estava muito presente e uma das coisas que mais espantaram a genovesa foi haver filas para comprar leite. “Portugal ainda não estava na União Europeia e o leite vinha só dos Açores”, recorda a veterana do grupo.

Prestes a ser avó pela primeira vez, Rosella lembra ainda que outra coisa que a surpreende­u foi “toda a gente deixar as portas de casa abertas”. Uma atitude impensável numa grande cidade como Génova, mesmo naquele início dos anos 1980. Sacos cheios de comida As saudades de casa, essas, já não são o que eram há 20 ou 30 anos. A internet ajuda e o Skype dá a ilusão de proximidad­e. Mas há coisas de que ainda sentem falta. “Tenho saudades de andar de bicicleta em terreno plano. Na Holanda fazia quilómetro­s e quilómetro­s. Aqui, para a embaixada são oito quilómetro­s, mas é sempre a subir . Eu tinha os meus truques, mas já deixei”, explica Karin, que até trouxe a bicicleta da Holanda. Mãe de dois filhos, uma de 4 e um de 12, a funcionári­a consular admite que também sente falta de patinar no gelo. Cá há poucas pistas e as que existem “são giras mas para crianças”. Quanto à comida, se os supermerca­dos Aldi vieram trazer mais opções, Karin ainda continua a trazer “sacos cheios de comida” sempre que vai a casa.

Comida também é coisa que Jin traz sempre quando vai à Coreia do Sul. “A minha mala vem cheia, porque cá não há restaurant­es coreanos. E se posso ir comprar a um supermerca­do coreano em Espanha, não há de tudo.” Apesar de neste momento as temperatur­as em Seul rondarem os zero graus, Jin garante que o frio em Portugal é mais difícil de suportar. Daí as saudades do chão aquecido. Atenuadas neste ano pelo edredão com tubos de água quente que o antigo chefe lhe deixou. “Tão bom! Todos os dias o trabalho do meu marido é, 20 minutos antes de ir para a cama, ligá-lo à corrente.” Mas claro, não é tão bom como um banho de sauna. “Há sauna no ginásio, mas é muito fraca!”, garante.

Katriina partilha dessa frustração. Como representa­nte de um país onde há 5,5 milhões de habitantes e dois milhões e meio de sauna, já se cansou de explicar “que a sauna tem de estar pelo menos a 80 graus e não a 60, que têm de me dar um balde de água, porque faz parte da experiênci­a”. Conclusão, “faço sauna quando vou à Finlândia”. E sauna é para se fazer nua – “não não há cá fatos de banho. Leva-se uma toalha para se sentar em cima”.

Com visitas frequentes à Hungria, do que Emese mais tem saudades é das pessoas. E se gostaria que houvesse mais teatro em Portugal e mais escolhas de cinema, do que sente mesmo falta é dos banhos termais típicos de Budapeste. “É uma prática nossa quase diária, sobretudo no inverno: ao fim do dia pode aquecer-se um pouquinho. Aqui também há, mas é preciso fazer uma excursão, é muito dinheiro, um fim de semana fora de Lisboa...” Uma queixa sentida, mas que logo a faz esclarecer: “Estamos a fazer uma lista das coisas de que sentimos falta, mas todas elas são duplamente compensada­s. Podemos fazer uma lista intermináv­el de coisas que compensam.” As colegas concordam.

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 ??  ?? Jin, Katriina, Rosella, Karin e Emese dizem ter o melhor de dois mundos: de dia sentem que estão nos seus países, à noite estão em Portugal
Jin, Katriina, Rosella, Karin e Emese dizem ter o melhor de dois mundos: de dia sentem que estão nos seus países, à noite estão em Portugal

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