Tourneur e o jogo subtil da psicanálise
Luzes e sombras. O eco de passos numa rua noturna deserta. Um arbusto que se agita pela presença de algo ou um rugido de origem incerta… Em tudo isto reside a arte pura da sugestão. Com ela Jacques Tourneur modelou uma das mais sofisticadas e distintas obras do suspense, famosa pela cena numa piscina às escuras, em que a aparição abstrata de um animal selvagem causa o pânico de uma mulher. Trata-se do primeiro filme produzido por Val Lewton para a RKO Pictures, que, com baixo orçamento, tinha por missão redefinir o género. Seguiram-se notáveis experiências, como O Homem Leopardo (1943), também de Tourneur, O Túmulo Vazio (1945) ou mesmo a sequela A Maldição da Pantera (1944), mas nenhuma com a perfeição deste A Pantera.
Ficou para a história como um exemplo supremo de como “o menos é mais”, noção que Tourneur seguiu religiosamente afirmando que o espectador acredita melhor no que não vê... Digamos que é também (e muitas vezes, sobretudo) das imagens ocultas que se faz bom cinema. Porquê mostrar a mutação de um corpo feminino em animal, se podemos seguir as pegadas de pantera que se transformam em pegadas de sapatos altos depois do ataque? Imagine-se a elegância deste gesto da câmara de Tourneur, que põe a um canto quaisquer efeitos especiais.
A Pantera é um filme que se constrói a partir de um medo individual e que de forma sedutora nos envolve nos demónios interiores de Simone Simon (atriz escolhida por Lewton devido ao seu semblante felino). No papel de uma imigrante sérvia que se casa com um americano (Kent Smith), ela é uma jovem mulher angustiada com a superstição – assente numa lenda cultural – de que não pode consumar a intimidade com o marido sob o prejuízo de se transfigurar numa cat person. Neste universo de pulsões sexuais recalcadas, em que a psicanálise se converte em jogo cinematográfico, na representação de uma sociedade cada vez mais pragmática, é a própria personagem do psiquiatra de Simon que se encarrega do aviso: “Somos vítimas do medo.” Uma emoção que é física e dependente de uma estética rigorosa e económica. Jacques Tourneur trabalhou no sentido desse requinte narrativo, nunca superado na sua latejante modernidade. Paul Schrader fez uma boa tentativa com A Felina (1982), mas não há primor como o do original.