Diário de Notícias

Kim Jong-un e um par de patins

- LEONÍDIO PAULO FERREIRA

Até pode parecer que Kim Jong-un se limitou a repetir as suas ameaças de fazer guerra nuclear aos Estados Unidos, mas na verdade o líder todo-poderoso na Coreia do Norte aproveitou o Ano Novo para enviar uma mensagem de abertura que a Coreia do Sul não pode deixar de levar muito a sério. Desde que foi eleito em meados de 2017, o presidente Moon Jae-in tem-se esforçado por convencer Kim a sentar-se à mesa das negociaçõe­s, declarando que as sanções, para já, não exigem nada mais do que isso. E se preservar a paz na península dividida desde o fim da Segunda Guerra Mundial é a prioridade a médio prazo, já a curto prazo Seul deseja que Pyongyang se mantenha calma, até ao nível da retórica, enquanto decorrerem os Jogos Olímpicos de Inverno, agendados para 9 a 25 de fevereiro. A possibilid­ade de um par de patinadore­s artísticos norte-coreanos participar nos Jogos de Pyeongchan­g (Ryom Tae-ok e Kim Ju-sik estão qualificad­os) continua em aberto e ganhou força depois das palavras de Kim.

Contudo, os Estados Unidos insistem que as sanções à Coreia do Norte (votadas pela ONU) são para esta desistir do arsenal nuclear, não apenas para voltar a negociar com a comunidade internacio­nal. E o presidente Moon, por muito que ambicione normalizar as relações com Kim, não pode arriscar-se a ir contra a vontade do grande aliado americano, que salvou a Coreia do Sul na guerra de 1950-1953, mantém tropas no país para contrariar uma eventual invasão norte-coreana e oferece ainda o seu guarda-chuva nuclear à 11.ª economia mundial. Assim, a resposta de Washington ao pedido de Seul para adiar um tradiciona­l exercício militar, para que não coincida com os Jogos Olímpicos, pode dar um sinal sobre o nível de cooperação atual. O secretário da Defesa americano, Joe Mattis, deu a entender que remarcar datas é sempre possível, mas a última palavra terá o presidente Donald Trump.

No seu editorial de ontem, o grande jornal sul-coreano Dong-a Ilbo tinha como título na edição em inglês “Adieu, 2017”. Afinal, foi um ano duro para a Coreia do Sul, com uma crise política interna que culminou em presidenci­ais antecipada­s e a constante troca de palavras entre Kim e Trump a trazer o receio de guerra iminente na península. Entre o líder norte-coreano, que quer garantir a sobrevivên­cia do regime comunista através da dissuasão nuclear, e Trump, que recusa-se a admitir mais um país com mísseis balísticos apontados à América, só existe a pressão da China para o bom senso de ambos e o desespero da Coreia do Sul pelo triunfo do mesmo.

Os anos de Jogos Olímpicos costumam ser bons para a Coreia do Sul: os de 1988, em Seul, de verão, aceleraram a democratiz­ação; talvez os de 2018, de inverno, reponham o diálogo entre as Coreias. Boa sorte Ryom Tae-ok e Kim Ju-sik.

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