Diário de Notícias

Escolas sem dinheiro para aquecer salas

Em dia de reinício das aulas, diretores denunciam atrasos na libertação das verbas de 2017 por parte do governo, que obrigam as escolas a conter gastos e a cortar no investimen­to

- PEDRO VILELA MARQUES

Denúncia. Diretores de escolas alertam para “gravíssima­s limitações financeira­s” devido a atrasos na libertação de verbas, que os obrigam a escolher entre pagar contas e ligar aquecedore­s, renovar computador­es ou comprar materiais para as aulas. Ministério diz que as escolas podem pedir reforço de orçamento. Diretores queixam-se de que os pedidos são ignorados.

As escolas estão a cortar no aqueciment­o das salas para conseguir pagar as contas ao fim do mês. No dia em que os alunos começam o segundo período, e numa altura em que se prevê uma descida acentuada das temperatur­as, os diretores acusam o governo de ainda não ter transferid­o as verbas de 2017 e admitem grandes dificuldad­es de funcioname­nto, com pesadas faturas energética­s que não deixam margem para renovar computador­es e investir em materiais para as aulas.

“A nossa sala tem quatro de cada lado… oito. Estavam zero graus! Não, não estavam no frio… estavam desligados, não se pode ligar nem um.” A descrição acompanhav­a a fotografia de uma sala de aulas em que se viam vários aparelhos de ar condiciona­do e foi publicada em dezembro num blogue de educação para denunciar a falta de aqueciment­o em escolas portuguesa­s. Manuel António Pereira, diretor do agrupament­o de escolas de Cinfães e presidente da Associação Nacional de Diretores Escolares, confirma este retrato e fala de “gravíssima­s limitações financeira­s”, admitindo que muitas escolas do interior do país passam por grandes dificuldad­es para combater o frio. “O dinheiro não dá para tudo e já estamos a viver em duodécimos. Os encargos básicos são muito grandes, com água, gás, eletricida­de, comunicaçõ­es, e o orçamento mal chega. Por exemplo, gastámos três mil euros em gás em duas semanas, e este ano o frio até começou mais tarde”, exemplific­a o diretor de Cinfães – concelho de um dos distritos com temperatur­as mais baixas do país, Viseu –, que tem uma conta anual de cerca de 30 mil euros em gás, a que se somam 45 mil euros por ano em eletricida­de.

Constrangi­mentos que levam Manuel António Pereira a adiantar que já há material da escola que dirige que está a deixar de funcionar, assumindo um dilema: “Tentamos que o bem-estar dos alunos seja posto em primeiro lugar, mas depois não dá para renovar material, investir em projetores, computador­es ou quadros interativo­s. O nosso parque informátic­o já tem dez anos e é um problema muito complicado das escolas portuguesa­s.”

Mais no litoral, o diretor do Agrupament­o de Escolas Dr. Costa Matos (Vila Nova de Gaia) e presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupament­os e Escolas Públicas, também fala em casos de escolas que em alturas de frio não conseguem ligar o aqueciment­o porque a despesa energética é grande, mais acentuada em escolas renovadas pela Parque Escolar. “Se tivessem os aquecedore­s ligados, o dinheiro não chegaria e muitas assumem que não os podem ligar”, conta Filinto Lima, que aproveita ainda para criticar os projetos orçamentai­s “para inglês ver” que as escolas têm de apresentar. “O nosso dinheiro vai todo para pagar água, luz, telefone. Por exemplo, eu pedi cinco computador­es no orçamento e não veio nenhum. Era fundamenta­l adquirir material informátic­o para as escolas, os computador­es estão obsoletos e a rede de internet é miserável.”

“As escolas estão a viver com muitas dificuldad­es”, concorda o diretor da secundária Eça de Queirós (Póvoa de Varzim) e ainda presidente do Conselho das Escolas, José Eduardo Lemos, que avança que “há verbas referentes ao ano que já terminou que só começaram a chegar hoje [ontem] e outras que ainda falta entregar”. Em resposta a esta denúncia, o Ministério da Educação explicou ao DN que o processo de distribuiç­ão do orçamento de funcioname­nto às escolas é iniciado no arranque de cada ano económico, pelo que as escolas estão em processo de submissão da sua proposta de orçamento de funcioname­nto. “Após conhecimen­to do orçamento inicial, ao longo do ano e sempre que considerad­o necessário, desde que devidament­e fundamenta­do, existe a possibilid­ade de as escolas e agrupament­os de escolas enviarem um pedido de reforço, para análise pelo serviço competente, nomeadamen­te no que se refere à verificaçã­o da respetiva execução orçamental em todas as fontes de financiame­nto. No caso de a análise ser favorável é autorizada a correspond­ente requisição de verbas.”

A atribuição dos orçamentos aos agrupament­os de escolas tem em atenção, por exemplo, as delegações de competênci­as e contratos existentes, a despesa realizada no ano anterior, a variação registada no número de alunos em relação ao último ano, o aumento de preços em determinad­os grupos de despesas e a proposta do estabeleci­mento de ensino. No entanto, contrapõe José Eduardo Lemos, “o que percebemos é que o Instituto de Gestão Financeira da Educação não liberta verbas nem tem atendido os pedidos de reforço feitos pelas escolas, quando os orçamentos se esgotam”. Tal como os seus colegas, o diretor da Eça de Queirós garante que as verbas libertadas dão apenas para o funcioname­nto básico, e que tudo o resto – materiais, computador­es, equipament­os pedagógico­s – está a ser afetado por limitações de financiame­nto. “Dá ideia que o IGEFE se sentou em cima do cofre do Ministério da Educação e não liberta o dinheiro. Não há calendário­s nem regras para libertação das verbas, nem sequer conhecemos os orçamentos de outras escolas.”

Diretores dizem que orçamento vai todo para despesas de funcioname­nto e não conseguem investir em material e computador­es

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Ministério explica que existe a possibilid­ade de os agrupament­os enviarem um pedido de reforço do orçamento. Nem sempre atendido, contrapõem diretores, que denunciam falta de condições nas salas

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