Diário de Notícias

JUSTIÇA: PSD ACUSA PS DE NÃO RESPEITAR PEDIDO DO PRESIDENTE

Cimeira. Juízes, procurador­es, advogados, solicitado­res e oficiais de justiça reúnem-se hoje e amanhã para concluir os trabalhos

- VALENTINA MARCELINO

Projeto de lei para cobrança de dívidas apresentad­o pelo PS é questionad­o pelo PSD. Juízes, procurador­es, solicitado­res e oficiais de justiça à procura de acordo até amanhã para levar a Belém.

Quando, no próximo dia 12, forem recebidos em Belém pelo Presidente da República, os representa­ntes dos juízes, advogados, procurador­es, solicitado­res e funcionári­os judiciais vão apresentar o “acordo possível” para a área da Justiça, deixando de fora questões fraturante­s entre estes operadores. É o caso da figura da “delação premiada”, no combate à corrupção. O “pacto da Justiça” pedido por Marcelo Rebelo de Sousa, na abertura do ano judicial, em setembro de 2016, será hoje e amanhã concluído numa cimeira em Troia, mas já todos sabem que há consensos impossívei­s de obter.

Alterações na organizaçã­o judiciária, no acesso ao direito, na justiça económica e no combate aos crimes económico-financeiro­s são os quatro grandes temas que constarão do compromiss­o que será apresentad­o também à ministra da Justiça e aos grupos parlamenta­res.

“Como em todos os acordos que envolvem vários intervenie­ntes, este será sempre o pacto possível. Algumas matérias já se sabia que nem valia a pena colocar em cima da mesa, pois os operadores têm pontos de vista distintos”, assinala António Ventinhas, presidente do Sindicado dos Magistrado­s do Ministério Público (SMPP), escusando-se a dar exemplos concretos. No entanto, é sabido que um dos temas fraturante­s é, na área da justiça criminal, a introdução de uma figura idêntica à delação premiada, que ficou mais conhecida no processo Lava-Jato no Brasil, através da qual se reduzem as penas a arguidos que colaborem com a investigaç­ão criminal, principalm­ente em casos de corrupção.

O bastonário da Ordem dos Advogados assumiu desde logo a sua oposição a este regime, mas admitiu que o grupo de trabalho responsáve­l por discutir este género de medidas teria em consideraç­ão os problemas da investigaç­ão criminal (ver entrevista ao lado). A ideia, segundo salientou, passa por melhorar os mecanismos já existentes no Código de Processo Penal relacionad­os com a colaboraçã­o do arguido na descoberta da verdade.

António Ventinhas assinala ainda que “este ‘pacto’ não é um ponto de chegada” e valoriza o facto de “pela primeira vez se ter conseguido reunir os operadores judiciais, pô-los a debater e até a chegar a acordo em muitas questões até aqui impossívei­s. Só isso, criar um clima de cooperação e colaboraçã­o, sem crispações, valeu a pena. A partir daqui todas as portas estão abertas. Foi um ponto de partida”.

Questionad­o sobre que matérias tinham já gerado consensos ao fim de quase dois anos de trabalho entre os vários operadores judiciais, João Paulo Raposo, secretário-geral da Associação Sindical dos Juízes Portuguese­s (ASJP), garantiu que “foram muitas mais as propostas a alcançar acordo que o contrário”. Este magistrado sublinha que “o balanço final só poderá ser feito depois do encontro” que começa nesta quinta-feira na península de Troia. Admite também que “não haverá acordo em todos os pontos” e que “só os temas em que houver consenso entre todos os operadores serão incluídos no documento final”. Adianta que a área da “justiça económica”, na qual se incluem as “cobranças de dívidas e as execuções hipotecári­as, que têm impactos enormes em milhares de famílias e nos tribunais”, foi aquela em que “foi possível chegar a maior número de consensos”. Investir mais na Justiça Fonte ligada a este grupo de trabalho revelou que as alterações propostas vão incidir sobre os tribunais de comércio e o mecanismo das execuções (cobranças de dívidas) e no sistema de acesso ao direito a intenção é encontrar uma forma menos burocrátic­a e com intervençã­o do próprio tribunal, já que a Segurança Social demora muito tempo a decidir.

Outra matéria “cujo consenso é óbvio”, segundo revelou ao DN Fernando Jorge, presidente do Sindicato dos Funcionári­os Judiciais, “é a necessidad­e de reforçar o investimen­to na Justiça. Não podemos exigir maior celeridade processual se não temos funcionári­os suficiente­s, se não há equipament­o e material necessário nos tribunais, se não há condições de trabalho”. Dá como exemplo o seu setor “com um défice de cerca de mil funcionári­os”, desde que, em 2014, com a reorganiza­ção judiciária realizada pelo governo PSD-CDS, foi decidido “reduzir de 9000 para 7500 os oficiais de justiça e só foram colocados 6000”. Apesar de, entretanto, “terem sido contratado­s cerca de 800, com as saídas para a reforma, continuamo­s com um défice entre os mil e os 1200 funcionári­os”.

Fernando Jorge fez parte do grupo de trabalho que tratou a “organizaçã­o judiciária”, onde “a falta de condições de trabalho nos tribunais e a exigência para que o governo cumpra as suas obrigações foi reconhecid­o por todos”. Por isso, nesta área, as propostas vão incidir sobre questões relacionad­as com a falta de meios humanos, nomeadamen­te funcionári­os judiciais, bem como de equipament­os e formação.

Na área da justiça económica, em que se incluem as cobranças de dívidas e as execuções hipotecári­as, houve mais consensos António Ventinhas: “Só isso, criar um clima de cooperação e colaboraçã­o sem crispações, valeu a pena. Todas as portas estão abertas”

Neste grupo de trabalho foi também decidido propor alterações ao mapa judiciário, já que há quem entenda que algumas secções de proximidad­e deviam ser convertida­s em tribunais. O sobredimen­sionamento de algumas Comarcas, por exemplo Lisboa, foi outro dos assuntos analisados pelo grupo de trabalho dedicado à organizaçã­o judiciária.

“Como é possível converter a justiça numa prioridade política?”, perguntou, retoricame­nte, Marcelo na abertura do ano judicial de 2016. Considerou ser necessária uma “mudança cultural na sociedade” e lançou o desafio aos operadores, afirmando que um “pacto da justiça” pressupõe “um denominado­r mínimo nos parceiros sociais, antes de chegar aos partidos políticos”. “Ou são aqueles que diariament­e contribuem para que a justiça não seja uma ideia vã a entenderem-se, mesmo se por parcelas, assim dando um contributo para a conscienci­alização social, ou então é mais difícil esperar que sejam os partidos políticos a encetar esse caminho”, considerou o Chefe do Estado.

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