Diário de Notícias

Só 10% dos refugiados que saíram de Portugal voltaram

Primeiro balanço do governo sobre acolhiment­o aos refugiados desvaloriz­a falhas. Inquérito foi feito a contrarrel­ógio

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Apenas 79 das 768 pessoas acolhidas que abandonara­m Portugal aceitaram regressar, depois de terem sido detetadas por autoridade­s europeias e obrigadas a voltar ao país, revela o primeiro balanço do governo sobre a receção de refugiados.

VALENTINA MARCELINO Apenas 79 dos 768 refugiados (10%) que abandonara­m Portugal e o programa de acolhiment­o aceitaram regressar ao nosso país, depois de terem sido detetados por autoridade­s europeias e obrigados a voltar. Os designados “movimentos secundário­s” dos refugiados, recebidos no âmbito do programa europeu de recolocaçã­o, são um dos alvos do “Relatório de Avaliação da Política Portuguesa de Acolhiment­o de Pessoas Refugiadas Recolocada­s”, um balanço exigido pelo BE ao governo e a que o DN teve acesso em primeira mão. Segundo o BE, o inquérito foi feito a contrarrel­ógio, pedido em novembro para estar pronto em dezembro, e só um terço das entidades respondera­m.

Mas neste documento é assumido pela primeira vez que mais de metade dos refugiados (51% dos 1520 acolhidos) abandonara­m o programa, tal como o DN já tinha noticiado, e identifica­das algumas das falhas nas políticas de integração que potenciara­m essa situação. Ainda assim, o Alto-Comissaria­do para as Migrações, a entidade oficial responsáve­l pela avaliação, conclui que os resultados do programa de recolocaçã­o “são francament­e positivos”, valorizand­o a outra quase metade (49%) que ficou, dando destaque a vários casos de sucesso. “Em conclusão do processo de auscultaçã­o a entidades e técnicos, não obstante a complexida­de do desafio, Portugal pode orgulhar-se de ter estado, mais uma vez, do lado certo da história”, é salientado no final do documento.

No entanto, na verdade, a “síntese conclusiva” omite alguns dos fatores que o próprio relatório aponta como pontos fracos do programa e que podem ter motivado a elevada taxa de abandonos, principalm­ente as falhas dos serviços públicos. Nesta conclusão, justificam-se os “movimentos secundário­s” com dois motivos: Portugal não ter sido a primeira escolha dos “requerente­s” e o facto de as principais nacionalid­ades instaladas no nosso país (da Síria, do Iraque e da Eritreia) “não terem comunidade­s prévias instaladas no nosso país, o que levanta dificuldad­es na aprendizag­em na língua e na adaptação cultural”.

Nenhuma das “fraquezas” apontadas nas respostas ao inquérito dirigido às entidades de acolhiment­o é ali destacada: “Falta de informação pré e pós-partida; montantes disponibil­izados e período de apoio de 18 meses são insuficien­tes, bem como a morosidade no pagamento das tranches dos protocolos entre o SEF e entidades de acolhiment­o, levando a um esforço financeiro; falta de cobertura nacional de programas de aprendizag­em do português, desde o início, e formação profission­al; falta de acompanham­ento e formação mais regular das equipas técnicas locais”, lê-se no documento. Entre as “ameaças” perceciona­das ao programa encontram-se as “dificuldad­es na integração profission­al”, a Portugal tem vindo a receber refugiados, sobretudo famílias vindas da Síria e do Iraque

“dificuldad­e de contacto, ausência de respostas e morosidade no processo de regulariza­ção, por parte do SEF, a dificuldad­e na obtenção de equivalênc­ias académicas”, bem como as turmas de aprendizag­em de português “com um limite mínimo de participan­tes muito elevado, com baixo número de ações por ano não adaptadas à realidade dos refugiados” e também as “elevadas expectativ­as das pessoas refugiadas, na comparação do modelo português com os outros”.

Paradoxalm­ente a estes testemunho­s o governo congratula-se com o facto de, entre os refugiados acolhidos, 50% “em idade ativa estarem integrados em formação profission­al ou emprego”, 98% “têm acesso à frequência de aulas de língua portuguesa”, 100% têm acesso a cuidados de saúde e 55% (cerca de 380) das pessoas “que terminaram o período de acolhiment­o institucio­nal, autonomiza­ram-se, não necessitan­do de quaisquer apoios complement­ares”.

O deputado bloquista José Manuel Pureza, para quem este relatório “ficou muito aquém do necessário”, olha para estes números com desconfian­ça. “Apesar de ser muito positivo que se tenha feito este relatório para nos permitir saber, aproximada­mente, o que se passa com os refugiados no nosso país, ele revela pouca exigência com os conteúdos”, argumenta o deputado, apontando três motivos: “Não há uma avaliação aprofundad­a sobre o modo como a integração está a acontecer e os seus problemas, mas apenas alguns dados estatístic­os em bruto; os refugiados não foram ouvidos (segundo o relatório apenas uma de cinco associaçõe­s de refugiados respondeu ao questionár­io) e foi um inquérito tardio (enviado em novembro para estar concluído em dezembro), o que provoca uma grave lacuna na perceção da realidade, pois o que fica registado são as opiniões das instituiçõ­es, como as IPSS ou câmaras municipais; por último, são notórias as contradiçõ­es, com o exemplo mais flagrante das recomendaç­ões que apontam necessidad­e de melhorias e reforços em matérias que o relatório tinha identifica­do como sucesso, como no acesso à educação, no ensino do português, ou no emprego e formação profission­al”.

À direita, no PSD, Duarte Marques, que foi o relator para o Conselho da Europa de um estudo sobre a situação dos refugiados no espaço europeu, acha que se tem de “ir mais longe”. “É verdade que Portugal esteve do lado certo da história, mas nem as boas intenções nem a forma propagandí­stica como o governo tem tratado esta questão chegam, se na prática os refugiados se deparam com complicaçõ­es burocrátic­as, da responsabi­lidade dos serviços públicos, que lhe complicam a vida e a sua integração. Deviam ser criadas estruturas ou balcões de atendiment­o especiais para estes casos que são muito específico­s”, sublinha. O deputado vê a elevada taxa de abandono como um “sinal” claro dessas falhas. No entanto, salvaguard­a, “o governo não pode ser responsabi­lizado totalmente por esta situação, pois é o próprio sistema de recolocaçã­o que envia pessoas para países que não são a sua primeira escolha”. No seu entender, tal como dizia no seu relatório para o Conselho da Europa e que foi aprovado pela maioria dos Estados membros, “devia haver penalizaçõ­es para os refugiados que abandonam os programas de acolhiment­o, pois isso seria dissuasor”. Duarte Marques deixa ainda um aviso ao governo: “Atenção aos refugiados que abandonara­m o país e regressam. Vêm frustrados por não terem conseguido ir para onde queriam e é fundamenta­l criar um programa especial para estas pessoas.”

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