Diário de Notícias

Guerras de treinadore­s que marcaram o futebol português

Sérgio Conceição e Rui Vitória são os mais recentes técnicos desavindos em Portugal. Recorde outros célebres bate-bocas

- CARLOS NOGUEIRA

É a mais recente picardia entre treinadore­s do futebol português. Sérgio Conceição e Rui Vitória são os protagonis­tas, com algumas trocas de mimos que culminaram no domingo à noite com uma declaração forte do técnico do FC Porto, que comparou o seu homólogo do Benfica a um... boneco. “Sou livre, crescido e assumo a responsabi­lidade do que digo. Faz-me lembrar um boneco que o meu filho tem em casa. Que tem um botão agressivo e carrega-se para ser agressivo. Depois tem outro botão para entrar em modo padre. Eu não sou desses que têm botões para se comportare­m de determinad­a maneira em frente à comunicaçã­o social”, atirou, anunciando que se referia a RuiVitória.

Isto tudo surgiu na sequência de uma guerra de palavras iniciada quando o treinador benfiquist­a se queixou por o árbitro do BenficaSpo­rting não ter usado os monitores do estádio para verificar os lances duvidosos analisados pelo videoárbit­ro. Na sequência disso, Conceição acusou Vitória de “falta de coerência”, por não ter feito a mesma análise no clássico que opôs FC Porto e Benfica, tendo o técnico encarnado depois lembrado que, em tempos, Conceição disse para deixarem os árbitros em paz. Agora, aguarda-se a resposta de Vitória à analogia do boneco. Para já, o Benfica reagiu no Twitter: “Uns são treinadore­s campeões, dentro e fora de campo, pela humildade. Outros perdem sempre deslumbrad­os pela sua vaidade.”

O mestre do conflito e o palhaço

O futebol português está recheado de bate-bocas envolvendo alguns dos mais renomados treinadore­s. Na década de 1970, Mário Wilson e José Maria Pedroto protagoniz­aram um duelo quentinho ao longo dos anos. Em 1975-76, o Benfica deWilson conquistou o título numa disputa acesa com o Boavista de Pedroto, que levou o Velho Capitão a considerar que o seu rival era um “mestre do conflito”, acusando-o de racismo na sequência das diversas trocas de galhardete­s.

Anos mais tarde, na qualidade de selecionad­or nacional, Wilson convocou vários jogadores do FC Porto para um particular com a Espanha, em Vigo. Pedroto não gostou de essa partida se disputar no meio de uma eliminatór­ia com o AC Milan para a Taça dos Campeões e chamou “palhaço” ao selecionad­or. Pedroto acabou por ser multado pela Federação em 500 escudos, reagindo de forma mordaz: “Quando disse que Mário Wilson, como treinador, era um palhaço, não tive intenção de ofender os palhaços.” O neurónio e o doente mental Um dos treinadore­s portuguese­s que mais vezes estiveram ligados a trocas de piropos foi José Mourinho, que, curiosamen­te, começou por ser visado, dias depois de ter assumido o comando da U. Leiria, em 2001, substituin­do Manuel José, treinador que, dias depois, num programa da RTP fez um ataque cerrado ao então jovem técnico. “Mourinho é aprendiz de treinador. Ele não me fez um telefonema a dizer que ia para o meu lugar, não é aceitável entre oficiais do mesmo ofício, e isso eu não esqueço. Se ele pensa que isto é a lei da selva e ele é o Tarzan, está muito enganado, já vi chegar muitos Tarzans que agora não sei onde param”, atirou, furioso. Mourinho demorou, mas acabou por responder. “Por agora, não vou comentar peixeirada­s”, disse, acrescenta­ndo: “Não nutro nem amizade nem respeito por ele.”

Já José Mourinho estava no Chelsea, em 2007, quando Jaime Pacheco anunciou que o seu Boavista não ia jogar com a Académica da mesma forma como os londrinos tinham jogado dias antes no Dragão com o FC Porto. “Não vou estacionar o autocarro em frente à baliza. Vou jogar para ganhar”, atirou. A resposta de Mourinho não demorou. O técnico, que na altura já era chamado de Special

One, disse que “em Portugal há muitos líricos, que gostam de ver os portuguese­s fracassare­m”, assumindo que “aparecem alguns inteligent­es como o Jaime Pacheco, que só têm um neurónio”. O então técnico do Boavista não se ficou e endureceu o discurso: “A julgar por uma fotografia que vi no jornal, ele deve ser um doente mental. Pode ter títulos, muito dinheiro, mas parece ser uma pessoa doente.”

Talisca, D’Artagnan e Dumas

Em setembro de 2014 entraram em rota de colisão os treinadore­s portuguese­s que, na atualidade, mais se envolvem em bate-bocas: José Mourinho e Jorge Jesus. E tudo por causa de um jogador que começava a dar nas vistas no Benfica: Anderson Talisca. O então treinador do Chelsea assegurou numa entrevista que o médio brasileiro só não estava a jogar num clube em Inglaterra por não ter licença de trabalho. Jesus sentiu-se atingi- do, pois defendia que tinha sido ele a descobrir o brasileiro: “Ele conhece tanto o Talisca como eu o D’Artagnan.” A resposta não se fez esperar, bastante contundent­e: “Fico contente por perceber que ele lê Alexandre Dumas. Ao contrário de mim que, sinceramen­te, com a vida que tenho, e por estar a trabalhar fora de Portugal há tanto tempo, me limito a ler quando posso a gramática portuguesa, que é para um dia não me acusarem de andar aos pontapés com ela.”

No último ano como treinador do Benfica, no calor da disputa do título com o FC Porto, Jesus assumiu os enganos quando dizia o nome do treinador rival. “O Lopetegui, ou Lotopegui, às vezes troco o nome”, disse numa conferênci­a de imprensa, no final do clássico da Luz. O treinador espanhol não gostou e foi pedir-lhe explicaçõe­s ainda no relvado, exigindo que nunca mais lhe trocasse o nome.

A obsessão e o Ferrari

O grande duelo de Jesus foi quando trocou a Luz por Alvalade, altura em que entrou em conflito aberto com Rui Vitória. “As ideias que estão lá

“[Rui Vitória] faz-me lembrar um boneco que o meu filho tem em casa. Eu não sou desses que têm botões para se comportare­m de determinad­a maneira”

SÉRGIO CONCEIÇÃO

TREINADOR DO FC PORTO

são todas minhas. O Benfica não mudou nada, zero.Vou jogar contra uma equipa com ideias minhas, mas o cérebro já não está lá”, atirou Jesus na véspera da Supertaça. O líder encarnado foi resistindo às provocaçõe­s: “Falo quando quero, como quero e de quem quero. Neste momento, o treinador do Sporting fica a falar sozinho.”

Mas o dérbi na Luz fez aumentar o tom e Rui Vitória começou a disputa: “Vai jogar uma equipa, que somos nós, contra 11 jogadores, que não sei se será uma equipa, que é o Sporting.” Os leões venceram por 3-0 e Jesus não se conteve: “É fácil depois de ganhar responder a Rui Vitória. Era fácil pôr o Rui Vitória deste tamanhinho.”

Os remoques continuara­m durante toda a época até que o treinador encarnado respondeu a uma afirmação do rival dizendo que havia “treinadore­s obcecados pelo Benfica”. “Vou continuar a fazer o meu trabalho, tenho carácter e aí não mudo, não sou de truques”, atirou. Jesus não se conteve e, desafiado a falar sobre o facto de Vitória o ter considerad­o um mau colega, voltou à carga: “Como não o qualifico como treinador, não sou mau colega. Para ser treinador, ele tem de ser muito mais. Fi-lo sair da toca. Para treinar o Benfica tem de se assumir. Para conduzir um Ferrari tem de ter andamento para ele.” Este foi o ponto mais tenso de uma relação que se foi deterioran­do a ponto de ainda hoje estarem de costas voltadas.

Ficou também célebre um comentário de Manuel Machado sobre Jorge Jesus, em 2009, após um Benfica-Moreirense: “Para mim, na vida, um vintém é um vintém, um cretino é um cretino. São valores absolutos.”

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