Diário de Notícias

Angola, Portugal, Alemanha e...

- PAULO BALDAIA

Justiça ou soberania? O que queremos? Se é que temos de querer apenas uma das duas coisas, não as podendo ter em simultâneo. Olhando para o desafio que ontem o presidente de Angola lançou à justiça portuguesa, temos de dizer que os angolanos querem as duas coisas. E é claro que os ofendemos quando pensamos que se lhes dermos o poder soberano de julgar o seu ex-vice-presidente pode não chegar a haver justiça. Angola também tem de perceber que há uma questão insanável: a separação de poderes que existe em Portugal não permite, pelo menos não aconselha, que este processo tenha uma decisão política.

O presidente de Angola, João Lourenço, foi de uma clareza que não admite dúvidas: Angola não quer ilibar Manuel Vicente, quer a justiça angolana a decidir que caminho dar ao processo. Sendo certo que o chefe do Estado angolano não admite, nem podia admitir, um princípio de desconfian­ça primário em relação ao seu país. Mal ou bem, lá como cá, não há liberdade nem justiça sem soberania.

É, aliás, por isso que a Alemanha condenou uns senhores da Ferrostaal por pagamento de coimas por suborno de funcionári­os públicos estrangeir­os, na venda de submarinos a Portugal, e por cá não houve ninguém que tivesse sido condenado. Os justiceiro­s terão pensado que isto só significa que não há verdadeira justiça em Portugal e os que acreditam no Estado de direito terão dito que a justiça funcionou, num país que não abdica da sua soberania.

Estará João Lourenço, como diz ao DN Seixas da Costa, a admitir a culpabilid­ade de Manuel Vicente ao afirmar que não o quer ilibado em Portugal, antes quer o processo que envolve um ex-vice-presidente a seguir os seus trâmites em Angola. Do ponto de vista teórico, que é no plano em que o coloca o ex-governante português, sim. A questão é saber quem determina a culpabilid­ade ou a inocência, porque uma ou outra não se decide na investigaç­ão mas no tribunal. O presidente de Angola deu um passo em frente ao admitir o que admitiu e ao dar as garantias que deu. Há condições para Portugal dar o passo seguinte?

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