Diário de Notícias

O diálogo facilita o alívio das tensões coreanas

- POR GIDEON RACHMAN Especialis­ta em política internacio­nal do Financial Times

As conversaçõ­es preliminar­es entre o Norte e o Sul poderão dar aos EUA a hipótese de recuar

Será isto o início do fim da crise coreana? Durante o ano passado, as tensões na península coreana têm vindo a aumentar de forma constante, já que o programa de armas nucleares da Coreia do Norte avançou rapidament­e e a administra­ção Trump respondeu com ameaças de “fogo e fúria”.

Mas nesta semana houve um avanço diplomátic­o, com a Coreia do Norte e a Coreia do Sul a realizarem as suas primeiras conversaçõ­es diretas em mais de dois anos. Os debates parecem ter corrido bem. A Coreia do Norte irá enviar os seus atletas aos Jogos Olímpicos de Inverno na Coreia do Sul no próximo mês. E já estão planeadas novas conversaçõ­es sobre questões militares.

As negociaçõe­s exploratór­ias deste tipo devem constituir uma iniciativa crucial para se arredar a provocação nuclear. No entanto, continua a ser necessária uma cautela consideráv­el.

O problema óbvio é que um diálogo Norte-Sul na península coreana não trata da questão que tem gerado a crise, o desenvolvi­mento de armas nucleares pela Coreia do Norte que representa­m potencialm­ente uma ameaça direta aos EUA. O governo Trump disse que esse desenvolvi­mento é intoleráve­l e sugeriu que está preparado para levar a cabo ações militares preventiva­s, em vez de confiar na dissuasão para conter a ameaça nuclear norte-coreana.

Num mundo ideal, estas conversaçõ­es preliminar­es iniciais entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul expandir-se-iam para um diálogo mais amplo que acabasse por abrir caminho para uma solução negociada das tensões nucleares entre os EUA e a Coreia do Norte.

No entanto, quando os sul-coreanos tentaram levantar a questão do programa nuclear acelerado do Norte nas conversaçõ­es desta semana, foram firmemente levados a recuar. Os representa­ntes de Kim Jong-un, o líder ditatorial da Coreia do Norte, disseram que as armas nucleares do seu país estavam dirigidas aos EUA e não à Coreia do Sul.

É provável que Washington não ache esta mensagem tranquiliz­adora. E levanta a possibilid­ade de que o verdadeiro motivo dos norte-coreanos para iniciarem conversaçõ­es agora seja o de cavar um fosso entre a administra­ção Trump e o governo do presidente Moon Jae-in em Seul.

A verdade é que os interesses dos EUA e da Coreia do Sul estão longe de ser idênticos. A Coreia do Sul teve de viver sob o alcance das armas nucleares norte-coreanas durante muitos anos. Se o Norte desenvolve­r agora a capacidade para atingir Los Angeles também, isso não aumenta diretament­e a ameaça para os habitantes da Coreia do Sul. Na verdade, o maior risco para os sul-coreanos atualmente é que os EUA levem em frente as ameaças de ação militar preventiva, levando a uma retaliação devastador­a do regime de Kim que poderia causar enormes baixas na capital sul-coreana, Seul, que está bem dentro do alcance da artilharia norte-coreana.

O perigo de que esta iniciativa diplomátic­a abra uma divisão entre os EUA e a Coreia do Sul é aumentado pela diferença temperamen­tal entre o presidente Trump e o presidente Moon. O líder dos EUA gosta do confronto. Em contrapart­ida, o Sr. Moon é discreto e tem sido um defensor do diálogo na península coreana.

Os norte-coreanos compreende­m bem estas divisões entre Washington e Seul. Eles têm, também, um longo historial de dar início a conversaçõ­es como táticas dilatórias ou para beneficiar­em da propaganda, antes de regressare­m ao caminho do confronto.

Mas este padrão tradiciona­l tem um novo fator, que é a natureza imprevisív­el de Donald Trump. No ano passado, o estilo assanhado e errático do presidente dos EUA parece ter sido um fator importante, aumentando as hipóteses de conflito. Mas também é possível que o maior conhecimen­to da questão coreana tenha convencido Trump dos perigos extremos de iniciar uma guerra na península coreana. O presidente dos EUA pode precisar de uma escada para descer. As conversaçõ­es desta semana podem ajudá-lo a encontrar uma.

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