Diário de Notícias

DN À CONVERSA COM O HOMEM QUE PASSOU OITO ANOS A FOTOGRAFAR OBAMA

O fotógrafo lusodescen­dente Pete Souza editou em livro o legado histórico de oito anos de Barack Obama na Casa Branca e está a usar as suas fotografia­s para irritar Donald Trump

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ANA RITA GUERRA, Los Angeles “Esta é a vossa sessão de terapia matinal”, começou por dizer Pete Souza, ajustando a cadeira enquanto a audiência soltava uma gargalhada. O nome do fotógrafo oficial de Barack Obama durante os anos na Casa Branca deixa antever a sua origem: é neto de açorianos. Chamam-lhe Pete “Sússa”, porque é difícil acertar com a pronúncia portuguesa. O nome está agora gravado no livro de fotografia­s Obama: An Intimate Portrait, que reúne uma seleção das melhores fotografia­s históricas tiradas entre 2009 e 2017, nos dois mandatos de Barack Obama.

“Andei atrás do presidente todo o dia, todos os dias, durante oito anos”, contou o lusodescen­dente numa conversa LA Live Talks, em que explicou o contexto de algumas das fotos mais icónicas escolhidas para o livro. “Tirei 1,9 milhões de fotografia­s, mas não vou mostrá-las todas hoje”, gracejou.

O sentido de humor de Pete Souza é apurado e tem-lhe servido de forma exemplar desde que Donald Trump tomou posse como presidente, a 20 de janeiro de 2017. Souza abriu uma conta no Instagram e começou a agir como um fotógrafo-sombra, publicando imagens da era Obama com mensagens veladas dirigidas à administra­ção Trump. Nesta semana, quando se soube que o presidente tinha chamado “países de merda” ao Haiti, a El Salvador e a vários países africanos, Souza publicou uma imagem dos Obamas em 2011, com a seguinte legenda: “Cumpriment­ando jovens em São Salvador em 2011. Sempre pensei que El Salvador era um grande país, definitiva­mente não um país de merda.” Souza nunca se refere a Trump pelo nome, escolhe imagens que são o oposto do que está a acontecer com a nova administra­ção. Por causa do potencial conluio entre a campanha de Trump e a Rússia, Souza publicou uma foto de Barack Obama a olhar para Vladimir Putin de cima para baixo, quase em cima dele, em tom ameaçador. Quando Trump foi fotografad­o com um Papa Francisco visivelmen­te agastado com o encontro, Souza desencanto­u uma imagem em que Obama e o Papa olham sorrindo um para o outro, comentando apenas “admiração mútua”. Esta cadeia de imagens que apontam para o mundo paralelo, ou fazem pensar que o mundo está hoje ao contrário, tem causado imensa sensação. E Obama tem noção.

“Ele sabe o que estou a fazer no Instagram. No início falei-lhe no assunto, não porque quisesse luz verde mas porque não lhe queria provocar desconfort­o”, referiu Souza. Muitas das fotos que estão na conta de Instagram também entraram no livro, que tem o prefácio escrito pelo próprio ex-presidente.

A história que estas imagens contam é fascinante e o livro acaba por ser um feixe de luz para os americanos que se sentem desolados com o que está a acontecer. Foi o que disse uma das participan­tes no evento e é o que muitos comentam na conta de Instagram. O livro está a ser editado também em holandês e alemão, e poderá chegar a mais países. “Adoraria fazer uma edição portuguesa”, disse Pete Souza ao DN. Eleição histórica A ligação do lusodescen­dente a Barack Obama começou em 2004, quando o fotógrafo trabalhava no Chicago Tribune e preparou uma série de quatro artigos sobre o seu primeiro ano no Senado. O plano transformo­u-se em dois anos e apanhou o início da campanha presidenci­al de Obama, que seria eleito em 2008. “Fiquei a conhecê-lo muito bem enquanto era senador e por isso convidou-me para ser o seu fotógrafo oficial”, contou Souza. Obama chamava-lhe “o açoriano.” A sua missão era documentar a história, por isso não tirou férias durante os primeiros cinco anos e em oito só tirou um dia para ir ao médico. “Tentei fazer a colonoscop­ia às quatro da manhã para ver se ainda dava para ir trabalhar, mas não me deixaram”, afirmou, provocando risos. Souza sofria daquilo a que chamou “fear of missing anything (FoMA), o medo de perder alguma coisa importante. “Quando se está a documentar para a posteridad­e, não se sabe quando é que a história vai acontecer.”

E a história acontecia frequentem­ente. Uma das imagens mais conhecidas desta era é aquela em que Barack Obama, Hillary Clinton, Joe Biden e as mais altas chefias militares da nação assistem remotament­e à captura de Osama bin Laden, a 1 de maio de 2011. Souza explica que a tensão era de cortar à faca e que a imagem não foi tirada na Situation Room, que é um espaço muito maior, mas numa sala onde havia melhor cobertura do sinal para a transmissã­o.

Muitas das imagens retratam momentos difíceis para Obama e para o país. O momento em que o presidente se preparava para dizer às construtor­as automóveis que o governo federal ia tomar o controlo da indústria, durante a maior crise desde o crash de 1929. O momento em que a BP teve um acidente no golfo do México e derramou 3,2 milhões de barris de petróleo em águas dos Estados Unidos. O ataque suicida na Maratona de Boston. Souza revelou que o pior dia da presidênci­a de Obama

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