Todas as notícias são um “trabalho em desenvolvimento”
NRICARDO
SIMÕES FERREIRA a sociedade de comunicação quase instantânea em que vivemos, com ciclos noticiosos que duram meras horas em vez de dias, praticamente todas as notícias estão em permanente “atualização”. O imperativo, por parte dos profissionais de comunicação social, de conseguir reagir o mais depressa possível aos acontecimentos – algo inevitável perante um público que quer (e tem direito a) informação atualizada em tempo real – reduz ao mínimo o tempo de análise do que se está a passar por parte do jornalista que cobre o acontecimento. Esse papel tem ficado, cada vez mais, para os “opinadores de serviço” nos painéis que os canais noticiosos têm por hábito usar como “enchedores de chouriços” ao serão.
Esta é a realidade em que vivemos em praticamente todas as áreas da informação. E os assuntos de tecnologia não são exceção. Pelo contrário: dada a sua natureza, sendo maioritariamente publicados online, são com grande frequência objeto de uma certa atitude de “escreve-se agora e corrige-se depois (ou não)” comum em bloggers e outros produtores de conteúdos na net. Nas últimas duas semanas assistimos a uma verdadeira avalancha de informação acerca das vulnerabilidades de segurança que atingem quase todos os processadores informáticos no mercado. Ainda que a maioria destas notícias não tenha chegado aos meios de comunicação social generalistas – o assunto é muito técnico, pouco sexy e, essencialmente, demasiado complicado para ser percebido pela maioria dos “opinadores de serviço” –, a forma como o assunto foi tratado nos sites e blogues da especialidade é exemplar da realidade descrita acima.
O caso “nasce” para o público com uma notícia do site britânico The Register dando conta de que os processadores Intel (todos os criados na última década, pelo menos) têm um erro de design que permite que hackers acedam às informações (passwords, chaves de encriptação, etc.) guardadas nas zonas mais profundas (e seguras) dos chips. Para agravar o caso, prossegue o texto, o remendo para esta falha pode levar a um decréscimo no desempenho das máquinas de 30%. Ainda segundo o The Register, apenas os chips Intel seriam afetados – os do fabricante concorrente AMD e os com arquitetura ARM estariam imunes.
A notícia foi imediatamente reproduzida, replicada e desenvolvida por centenas de plataformas da especialidade. Só que, afinal, as coisas não eram bem assim. Na realidade, estamos perante duas falhas de segurança – que foram batizadas Spectre e Meltdown – e praticamente não há microprocessadores que não sejam afetados. Dos PC aos telemóveis, quase tudo o que tenha um chip informático pode ser hackado utilizando estas vulnerabilidades, permitindo assim aceder à informação que está no seu “coração” mais profundo. As falhas são graves e até eram conhecidas dos fabricantes há mais de seis meses. Desde então, estes estiveram a tentar encontrar soluções técnicas para colmatar os problemas – um relatório da Intel, segundo o site especializado TheVerge que faz um apanhado do processo que vale a pena ler (https://tinyurl.com/yal3j8nj), aconselhava mesmo a, simplesmente, substituir os processadores! Afinal, não é preciso algo tão radical. Na última semana, quase todos os fabricantes envolvidos (de hardware e software) lançaram atualizações que (em princípio) resolvem os problemas. E ainda que haja algum decréscimo de desempenho nos chips, não parece ser muito percetível – estão em curso avaliações quanto a este aspeto. Mais uma vez, esta é uma “notícia em atualização”.
Certo é que, ao longo destes dias, muito disparate foi dito e escrito sobre este assunto, em especial na blogosfera. E no meio de tanto “fumo” noticioso, passou quase despercebido um detalhe: não é conhecido qualquer caso real de aproveitamento destas vulnerabilidades. O que não quer dizer que não tenha acontecido, mas sempre me deixa dormir um pouquinho mais descansado – até ao próximo desenvolvimento da notícia, claro.