Diário de Notícias

A última aula de ioga da professora Clô, que aos 94 anos juntou os alunos fiéis

Meia centena de alunos, ou amigos, como a professora prefere chamar, estiveram presentes na despedida no Ginásio Clube Português. A sucessora é alguém que há 12 anos sentiu-se atraída pela energia de Clô e não mais deixou o ioga

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ELISABETE SILVA “Está a perturbar a aula, isto aqui é como na tropa.” Com uma forte personalid­ade, a professora Clotilde Ferreira, tratada por Clô, é conhecida pela forma cativadora, mas ao mesmo tempo disciplina­dora, com que dirige as suas aulas de ioga. Mário Pinto sorri ao recordar quando a professora lhe chamou a atenção, afinal estamos a falar de um militar. De um Capitão de Abril. Frequenta as aulas de Clô há 40 anos e não faltou à despedida. Clô celebrou os 94 anos e esteve pela última vez diante dos seus alunos, a quem não hesita chamar de amigos.

“É um momento especial”, desabafou quando terminou a aula no Ginásio Clube Português (GCP), onde transmite os seus conhecimen­tos de ioga há 44 anos, sendo a segunda professora mais antiga no mundo. O interesse da então ginasta pelo ioga surgiu aos 42 anos, quando vivia na Bélgica, depois de ter estado no Congo. Uma ida a um seminário e tudo mudou. Recordou como se sentiu entusiasma­da e o ioga começou a ter grande importânci­a na sua vida. “Senti o conhecimen­to do corpo que não se tem na ginástica”, realçou. Durante a última aula, como a professora Clô sempre insiste, viveu-se a ligação entre corpo e mente. “Não sinto nada, estou em relaxament­o. Sou eu e o sítio onde estou”, explicou. As aulas podem ter chegado ao fim, mas contou que de manhã, ainda antes do pequeno-almoço, o ioga é a primeira coisa que faz e é um ritual para manter.

Quando começou no GCP, disse que houve um grande interesse: “Era uma coisa nova, um relaxament­o. As pessoas gostaram e aderiram.” Mário Pinto (79 anos) e Palixa Alcobia Luz (81) foram dois dos alunos que acompanhar­am Clô quase desde o início. O Capitão de Abril ainda fez um interregno durante uns anos, mas regressou quando deixou a vida militar, em 1992, e não mais parou. “Vim para o ioga porque dá uma determinad­a preparação psicológic­a”, afirmou, recordando como eram as aulas: “A Clô fazia os exercícios mais difíceis. Mesmo depois de ser operada à anca, a Clô não parou. Ela é um exemplo.”

Palixa admitiu mesmo que foi a forma de ser de Clô que a cativou primeiro, quando começou a fazer o ioga por recomendaç­ão do médico: “Fui logo conquistad­a até mais pela Clô do que pelo ioga, que veio por acréscimo. Não me lembro de ela alguma vez ter faltado. Ela tocou a vida das pessoas. Temos todos muito carinho por ela, pelo que ela nos deu.” Também recordou o lado disciplina­dor de Clô, salientand­o como “não admite uma sugestão nem uma crítica”. “Nós temos bastante respeito por isso”, garantiu.

“Ela domina a aula, quer nos aspetos de disciplina quer nos aspetos técnicos”, realçou Mário Pinto, que contou então como no dia em que precisou de sair mais cedo e pediu a uma colega se lhe podia arrumar a almofada foi repreendid­o por Clô. “Deu-me logo assim”, disse, com uma gargalhada.

O momento até era de boa disposição no GCP, com um almoço a seguir à aula. Porém, foi difícil esconder alguma tristeza pela despedida, como confessou Palixa. Má- rio frisou como nesta fase da vida da professora, em que a memória por vezes a atraiçoa, se notou as relações que criou com quem esteve nas suas aulas. “Ela tem um conjunto de alunos que são amigos dela. Mesmo falhando, os amigos não a abandonam. Foi sempre criativa e os alunos ficavam maravilhad­os com o que ela fazia. Em relação à filosofia do ioga é algo que a transcende.”

O antigo paraquedis­ta tenta passar alguns dos ensinament­os: “O ioga é união, é o estar bem, é o ajudar, é o participar. A Clô quer que estejamos próximos.” Mário Pinto exemplific­ou como a professora Clô demonstrou como ioga pode influencia­r a vida. “Em determinad­a altura ela foi à Índia. Mesmo com as privações que as mulheres lá têm, até sorriam e ela dizia que era pela situação milenar do ioga.”

Se Clô não irá parar de praticar, os alunos, ou melhor, os amigos, também vão continuar, agora com Maria João Carneiro. Quando há 12 anos conheceu Clô, sentiu-se atraída pela “energia fantástica” que a professora transmitiu. “Fui [à aula] por uma necessidad­e física e mental que sentia. No final fui perguntar-lhe como poderia saber mais sobre o ioga, se havia algum livro que eu pudesse ler e ela disse-me: ‘O ioga é 99% prática e 1% teoria.’”

Nunca mais deixou o ioga. Aprofundou os seus conhecimen­tos teóricos e há quatro anos que dá aulas no GCP. Será a sucessora de uma professora admirada e respeitada por muitos, como ficou bem patente nos cerca de cinquenta que não quiseram perder a derradeira aula. “A responsabi­lidade é muito grande, mas é um prazer enorme ter sido convidada. A professora acredita em mim e espero conseguir honrar tudo o que ela me transmitiu”, afirmou.

Maria João Carneiro tem 45 anos, mas tenha-se 70 ou 80, ou seja qual for a idade, é comum o sentimento de que o ioga é um segredo para a longevidad­e, e parar só quando assim o tiver de ser. “Acho que sim, que o ioga é o segredo da longevidad­e... e a amizade”, disse quem nunca deixará de ser a professora Clô.

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Clotilde Ferreira chegou aos 94 anos como professora de ioga e ontem deu a sua última aula ao grupo de alunos do Ginásio Clube Português. Clô, como é tratada pelos amigos, conheceu o ioga há mais de 40 anos quando estava na Bélgica e nunca mais deixou...

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