Salvar a Primavera
Os atuais protestos na Tunísia, sete anos depois do início ali da Primavera Árabe, têm uma razão de ser: boa parte da população está insatisfeita com o aumento do custo de vida e culpa disso o governo; sobretudo as regiões mais pobres não só exigem mais apoios públicos como contestam as medidas de austeridade que ameaçam tornar a sua existência ainda mais complicada. E mesmo o litoral tunisino, mais próspero tradicionalmente por causa do turismo, se queixa de uma economia incapaz de descolar apesar das promessas que se seguiram à partida em janeiro de 2011 para o exílio de Ben Ali, o homem forte durante mais de duas décadas.
Parece que o FMI está envolvido e que, de facto, só uma redução do funcionalismo público e dos subsídios permitirá à economia da Tunísia aproveitar eficazmente o seu tecido industrial, bem posicionado para exportar para a União Europeia. Mas não estamos a falar de um país qualquer, de um país que andou a adiar reformas estruturais ou a viver acima das possibilidades. A Tunísia tem de ser vista a outra luz. Trata-se sim do único caso de verdadeiro sucesso da Primavera Árabe, uma sociedade que tem insistido na via da democracia apesar das tensões internas entre laicos e islamitas e da ameaça externa, sobretudo o terror jihadista e as ameaças vindas da vizinha Líbia, onde a Muammar Kadhafi sucedeu o caos.
Graças à sua história, onde se distingue Cartago mas também o brilhantismo islâmico simbolizado por Kairouan, graças a Habib Burguiba, o pai da independência em 1956, e em parte também, admita-se, graças a esse Ben Ali que mesmo autoritário nunca deixou de querer uma sociedade moderna e as mulheres emancipadas, a Tunísia é um país que teima em desmentir as ideias feitas sobre o mundo árabe-muçulmano. É importante que a Europa perceba isso e vá em seu auxílio. Há valores mais altos do que as finanças públicas, dinheiros que serão mais bem investidos a desenvolver um país do que, depois, a tentar minimizar aquilo que correu mal nele porque estávamos distraídos. A Tunísia merece a nossa solidariedade. É preciso salvar o que resta da Primavera Árabe.