Diário de Notícias

Dez anos é muito pouco tempo

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Areunião era sobre a importânci­a, ou não, de preparar a empresa para a legislação que estava a ser discutida em Bruxelas. De um lado, os que achavam que não valia a pena pensar nisso. Os desafios imediatos eram mais que muitos, o país estava sob a gestão da troika, as regras que contavam eram essas e iam continuar a ser durante os próximos anos; do outro lado, argumentav­a-se que as coisas iam mudar, que a troika havia de se ir embora e as regras voltariam a ser as mesmas que se aplicassem a todos os outros Estados membros. E que, por isso, valia a pena discutir então o que ia ser lei daí a uns tempos. Estava-se num impasse, até que um dos diretores trovejou: “Olhe, senhor doutor, faz agora dez anos, estávamos há dez anos atrás.”

A frase parece uma lapalissad­a, mas só é para quem acha que pensar a médio prazo é um exercício comum ou tonto. Infelizmen­te, em Portugal é mais frequente o segundo caso.

Uma das coisas que mais impression­am quando se olha para o que se discute no país é o pouco que se discute, informadam­ente, sobre o futuro. Passámos da construção de autoestrad­as, rotundas e pavilhões gimnodespo­rtivos para as qualificaç­ões e a internacio­nalização sem saber como nem porquê. Ou melhor, sem discutir. Porque, na verdade, quando se olha para muito do que foi feito, em termos de infraestru­turas no país, grande parte já tinha sido pensado no Estado Novo. Discutir é que discutimos pouco.

Claro que o mundo (e o futuro) não é um projeto em concretiza­ção (em Bruxelas é que se continua a falar de projeto europeu sem perceber que o termo denuncia um caminho pré-desenhado), e os planos quinquenai­s da União Soviética não deixaram muitas saudades. Mas é possível pensar-se a médio prazo e planear, projetar e prever contingênc­ias. É possível, mas não é frequente entre nós.

Por várias causas (tecnológic­as, ambientais, políticas), estão a acontecer várias revoluções ao mesmo tempo. Na energia, na produção industrial, no comércio sem fronteiras, no tipo de empregos, no setor financeiro, na mobilidade... A lista é enorme e se pensarmos que daqui a uma década (um pouco mais, vá) pode haver carros autónomos que voam sobre estradas inúteis ou se estacionam sozinhos onde houver lugar, podemos perceber um pouco do que se está a falar. E de como temos de nos preparar. Como se diz na indústria automóvel europeia, não queremos que aconteça aos carros o mesmo que aconteceu quando passámos dos telefones para os telefones inteligent­es: da europeia Nokia para a americana Apple. Isso implica pensar a prazo.

Fazer agora dez anos que estávamos há dez anos atrás quer apenas dizer que há dez anos podíamos ter pensado em como queríamos chegar aqui. Se há dez anos tivéssemos imaginado, planeado e pensado o futuro, talvez ele fosse diferente. E, no nosso caso concreto, poderia ter feito toda a diferença. Faz agora dez anos, estávamos em janeiro de 2008. Lembram-se onde fomos parar quando a crise começou?

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HENRIQUE BURNAY CONSULTOR EM ASSUNTOS EUROPEUS

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