Diário de Notícias

Bactéria intestinal ajuda a produzir ganga mais azul e mais ecológica

Investigaç­ão. Conhecida por provocar diarreias, a E. coli foi modificada para tingir ganga. Prosseguem estudos para melhorar a técnica

- JOANA CAPUCHO

É responsáve­l por diarreias, infeções urinárias e alimentare­s, que, nos casos mais graves, chegam mesmo a provocar a morte. Contudo, modificada em laboratóri­o, poderá vir a protagoniz­ar uma revolução na indústria têxtil. De acordo com um estudo publicado recentemen­te na revista Nature Chemical Biology, a bactéria intestinal Escherichi­a coli (conhecida como E. coli) pode vir a substituir o índigo, o corante mais usado para fazer calças de ganga, mas cuja utilização implica o uso de produtos químicos agressivos para o meio ambiente.

De acordo com o estudo feito por vários centros de investigaç­ão dos Estados Unidos e pela Universida­de de Copenhaga, na Dinamarca, a modificaçã­o desta bactéria, fácil de manipular em laboratóri­o, pode pôr fim ao fabrico químico do índigo. O objetivo dos cientistas, segundo explica o jornal espanhol ABC, não era domesticar a bactéria para a tornar inofensiva, mas que pudesse vir a substituir o corante usado para tingir calças em todo o mundo. Uma estratégia de fabrico de tinta “sustentáve­l e que poria um fim à utilização de produtos químicos agressivos”.

Para atingir o objetivo, os investigad­ores começaram por identifica­r os genes da planta de índigo, da qual era extraído o corante. Posteriorm­ente, alteraram os genes da bactéria E. coli, para que expressass­e esse gene, e adicionara­m-lhe uma mistura de enzimas e moléculas que permitiram chegar ao resultado desejado.

“O produto final é o mesmo”, assegura John Dueber, investigad­or da Universida­de da Califórnia e um dos autores do estudo. Contudo, o mesmo reconhece que o método usado não é prático a nível industrial, embora seja uma maneira mais ecológica de fabricar as calças de ganga, sem químicos prejudicia­is para o meio ambiente. Para produzir os cinco gramas necessário­s para tingir uns jeans são necessário­s “vários litros de bactéria”. O próximo passo, diz a publicação espanhola, é, por isso, tentar tornar o processo de fabrico mais eficiente. “É química pura e pura. Encontrara­m uma maneira de produzir semiartifi­cialmente o corante, sem ser através do organismo original. Esta forma de produzir uma bactéria que todos temos será muito mais barata e amiga do ambiente”, explica Jaime Nina, professor do Instituto de Higiene e Medicina Tropical. Segundo o virologist­a, esta é uma “curiosidad­e científica” que, se atingir uma escala maior, “pode ter saída industrial”.

De acordo com o docente, a bactéria E. coli tem caracterís­ticas específica­s, que fazem dela uma espécie “de rato de laboratóri­o” para os investigad­ores. “Cresce facilmente numa enorme quantidade de ambientes”, é “relativame­nte pouco perigosa”, “fácil de manipular” e desenvolve-se rapidament­e em meios onde outras bactérias não crescem, razão pela qual é responsáve­l por infeções urinárias. “É uma bactéria segura”, conclui o especialis­ta. Índigo desde a Antiguidad­e Desde a Antiguidad­e que o índigo é usado como corante. Inicialmen­te era extraído das plantas (Polygonum tinctorium) de uma forma natural e sustentáve­l e muito apreciado não só pela coloração mas também pela forma como adere à superfície dos tecidos. Isso faz que resista às lavagens, sendo por isso eleito pela maioria dos fabricante­s de calças de ganga. Contudo, a sua utilização em larga escala mudou o paradigma.

Anualmente, adianta o ABC, a indústria têxtil utiliza 45 mil toneladas de índigo obtido através de métodos sintéticos, uma vez que a produção natural já não é capaz de fazer face a tanta procura. Só assim as fábricas conseguira­m corante suficiente para a quantidade de calças que chegam atualmente ao mercado. Contudo, como o índigo se dissolve mal na água, é necessário recorrer a produtos químicos agressivos, “como o formol, altamente volátil e muito inflamável, e ao cianeto de hidrogénio, bem como a outros produtos corrosivos, que acabam nos nossos rios”, o que prejudica a vida aquática.

Em 2015, quando saíram os resultados preliminar­es do estudo, a comunidade científica já tinha manifestad­o grande entusiasmo à volta do tema. “Os resultados são surpreende­ntes e impression­antes”, disse então Thomas Bechtold, químico da Universida­de de Innsbruck, à Science News for Students. Biologia sintética Este é apenas um dos exemplos de como a ciência pode reprograma­r organismos vivos para que adquiram funções úteis ao homem. Bactérias, fungos e vírus têm sido manipulado­s em laboratóri­os para limpar resíduos ou mesmo para arranjar alternativ­as aos combustíve­is fósseis. Oportunida­des oferecidas pela biologia sintética, que, para já, ficam em laboratóri­o, mas que, dentro de alguns anos, podem chegar ao mercado.

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Campanha de publicidad­e da Levi Strauss nos anos 1930, a primeira marca de jeans em tom de índigo

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