Bactéria intestinal ajuda a produzir ganga mais azul e mais ecológica
Investigação. Conhecida por provocar diarreias, a E. coli foi modificada para tingir ganga. Prosseguem estudos para melhorar a técnica
É responsável por diarreias, infeções urinárias e alimentares, que, nos casos mais graves, chegam mesmo a provocar a morte. Contudo, modificada em laboratório, poderá vir a protagonizar uma revolução na indústria têxtil. De acordo com um estudo publicado recentemente na revista Nature Chemical Biology, a bactéria intestinal Escherichia coli (conhecida como E. coli) pode vir a substituir o índigo, o corante mais usado para fazer calças de ganga, mas cuja utilização implica o uso de produtos químicos agressivos para o meio ambiente.
De acordo com o estudo feito por vários centros de investigação dos Estados Unidos e pela Universidade de Copenhaga, na Dinamarca, a modificação desta bactéria, fácil de manipular em laboratório, pode pôr fim ao fabrico químico do índigo. O objetivo dos cientistas, segundo explica o jornal espanhol ABC, não era domesticar a bactéria para a tornar inofensiva, mas que pudesse vir a substituir o corante usado para tingir calças em todo o mundo. Uma estratégia de fabrico de tinta “sustentável e que poria um fim à utilização de produtos químicos agressivos”.
Para atingir o objetivo, os investigadores começaram por identificar os genes da planta de índigo, da qual era extraído o corante. Posteriormente, alteraram os genes da bactéria E. coli, para que expressasse esse gene, e adicionaram-lhe uma mistura de enzimas e moléculas que permitiram chegar ao resultado desejado.
“O produto final é o mesmo”, assegura John Dueber, investigador da Universidade da Califórnia e um dos autores do estudo. Contudo, o mesmo reconhece que o método usado não é prático a nível industrial, embora seja uma maneira mais ecológica de fabricar as calças de ganga, sem químicos prejudiciais para o meio ambiente. Para produzir os cinco gramas necessários para tingir uns jeans são necessários “vários litros de bactéria”. O próximo passo, diz a publicação espanhola, é, por isso, tentar tornar o processo de fabrico mais eficiente. “É química pura e pura. Encontraram uma maneira de produzir semiartificialmente o corante, sem ser através do organismo original. Esta forma de produzir uma bactéria que todos temos será muito mais barata e amiga do ambiente”, explica Jaime Nina, professor do Instituto de Higiene e Medicina Tropical. Segundo o virologista, esta é uma “curiosidade científica” que, se atingir uma escala maior, “pode ter saída industrial”.
De acordo com o docente, a bactéria E. coli tem características específicas, que fazem dela uma espécie “de rato de laboratório” para os investigadores. “Cresce facilmente numa enorme quantidade de ambientes”, é “relativamente pouco perigosa”, “fácil de manipular” e desenvolve-se rapidamente em meios onde outras bactérias não crescem, razão pela qual é responsável por infeções urinárias. “É uma bactéria segura”, conclui o especialista. Índigo desde a Antiguidade Desde a Antiguidade que o índigo é usado como corante. Inicialmente era extraído das plantas (Polygonum tinctorium) de uma forma natural e sustentável e muito apreciado não só pela coloração mas também pela forma como adere à superfície dos tecidos. Isso faz que resista às lavagens, sendo por isso eleito pela maioria dos fabricantes de calças de ganga. Contudo, a sua utilização em larga escala mudou o paradigma.
Anualmente, adianta o ABC, a indústria têxtil utiliza 45 mil toneladas de índigo obtido através de métodos sintéticos, uma vez que a produção natural já não é capaz de fazer face a tanta procura. Só assim as fábricas conseguiram corante suficiente para a quantidade de calças que chegam atualmente ao mercado. Contudo, como o índigo se dissolve mal na água, é necessário recorrer a produtos químicos agressivos, “como o formol, altamente volátil e muito inflamável, e ao cianeto de hidrogénio, bem como a outros produtos corrosivos, que acabam nos nossos rios”, o que prejudica a vida aquática.
Em 2015, quando saíram os resultados preliminares do estudo, a comunidade científica já tinha manifestado grande entusiasmo à volta do tema. “Os resultados são surpreendentes e impressionantes”, disse então Thomas Bechtold, químico da Universidade de Innsbruck, à Science News for Students. Biologia sintética Este é apenas um dos exemplos de como a ciência pode reprogramar organismos vivos para que adquiram funções úteis ao homem. Bactérias, fungos e vírus têm sido manipulados em laboratórios para limpar resíduos ou mesmo para arranjar alternativas aos combustíveis fósseis. Oportunidades oferecidas pela biologia sintética, que, para já, ficam em laboratório, mas que, dentro de alguns anos, podem chegar ao mercado.