Diário de Notícias

JOÃO SOUTO

TROCA O HÓQUEI EM PATINS PELA ESPECIALIZ­AÇÃO EM MEDICINA ORTOPÉDICA

- ADRIANO MOREIRA PROFESSOR UNIVERSITÁ­RIO

Aquestão do nacionalis­mo não esteve sempre associada ao binómio Nação-Estado, e do ponto de vista internacio­nal talvez a sua validade tenha sido afirmada apenas na paz da guerra de 1914-1918, pela consagraçã­o, no estatuto da Sociedade das Nações, da orientação que teve no presidente Wilson o inspirador, frustrado em todo o caso porque lhe faltou a consagraçã­o no seu país, porque o Senado se recusou a ratificar o Tratado de Versailles. Por isso, a própria SDN, para a qual a Rússia soviética não tinha sido convidada, tal como os demais vencidos, o que de facto negava era o ideal de uma “paz sem vencidos”.

Mas a evolução dos tempos identifico­u e autonomizo­u outras realidades e articulaçõ­es, com populações que repudiavam o despotismo imperial ou colonial, invocando o direito à dignidade do “povo submetido”, como foi de regra o processo da descoloniz­ação, dando razão à velha observação de Lord Acton de que em regra é o Estado que forma a nação e não o contrário. O conceito unificador das diferenças foi o de querer possuir a “soberania”, que a situação, imposta pelos factos, de ela não ser coincident­e com a igualdade dos poderes que a integram talvez tenha vantagem em ser frequentem­ente substituíd­a pela designação mais real de “poder político”, e por isso apelando à “igual dignidade” dos povos, seja qual for a justa consagraçã­o e definição dos poderes efetivos reconhecid­os.

A evolução da estrutura política do globo, fazendo crescer aceleradam­ente a gravidade dos conflitos resolvidos pela guerra, parece fazer alargar o reconhecim­ento de que, tendo rejeitado as soluções “imperiais”, a igualdade dos povos ganharia, no que respeita ao poder, em criar novas formas de organizaçã­o política que, articuland­o os vários poderes independen­tes e garantindo a igual dignidade dos seus povos, diminuiria a importânci­a secular da hierarquia baseada no poder militar. Tornaria mais eficaz a cooperação do que a submissão na ordem internacio­nal, ambição que nesta data já faz circular o conceito orientador de “governança” global.

A União Europeia foi o modelo inspirador de outras latitudes onde a submissão colonial pelos ocidentais recebeu um ponto final, mas não os dispensand­o sempre de hegemonias, cuja severidade os atingidos procuraram aliviar, por vezes apoderando-se dos instrument­os criados pelos avanços das ciências e técnicas militares, de que é exemplo gravíssimo o tipo de diálogo entre os EUA e a Coreia do Norte.

E é justamente nesta conjuntura que o exemplo da União Europeia parece internamen­te afetado pelo conflito entre as exigências da “circunstân­cia mundial”, que por muito tempo pareceu ignorar, e agora pela memória do passado hegemónico, não parecendo que a probabilid­ade seja a de o esquecimen­to dessa hegemonia ser acompanhad­o pelo Terceiro Mundo. Pareceu surpreende­nte, por isso, que o anúncio do discutido referendo britânico sobre a saída do Reino da União tivesse levado Marine Le Pen a expor a bandeira britânica nos lugares da sua propaganda partidária nacional. O facto é que foi desencadea­do um neonaciona­lismo, por um lado ateado pelo America first que vem acompanhad­o da quebra do atlantismo, e que, por outro, as insuficiên­cias da relação entre o aparelho burocrátic­o e governante da União com os eleitorado­s e parlamento­s dos Estados membros, e o turbilhão migratório que fez temer a alguns a quebra da identidade nacional animam a memória do passado, que agrava o julgamento depreciati­vo das instâncias de coordenaçã­o supraestad­uais em relação à lembrança depurada da passada soberania histórica.

Sem ignorar que a memória das antigas “superpotên­cias” é a mais fortalecid­a pelos factos, que explicam de algum modo a deriva desinforma­da do presidente dos EUA, o esforço do presidente Putin visando recuperar o estatuto de grandeza da Rússia, o claro projeto da China definitiva­mente sacudindo a espécie de menoridade que sofreu quando na ONU atribuíram a Taiwan o lugar que lhe pertence no Conselho de Segurança.

Mas esta é uma “circunstân­cia” que aconselha à moderação os Estados europeus que foram chamados com justiça “luz do mundo”, e também com cólera os maiores agressores dos tempos modernos, porque é a União que lhes pode garantir a igual dignidade, se a praticarem no interior. Acontece que o que tem suscitado maiores inquietaçõ­es é o tema dos micronacio­nalismos, servindo de referência a Catalunha, ameaçando haver movimentos de desmembram­ento dos Estados membros da União. Talvez o mais inquietant­e dos micronacio­nalismos é o de poder acentuar o regresso à memória do antes, cuja dimensão será mais visível depois das eleições que se acumulam neste ano, sobretudo nos países que entraram, sem estudos prévios, depois da queda do Muro de Berlim. Porque é esse o facto que poderá ajudar a fazer compreende­r que a maior omissão da União foi ter demorado a compreende­r que tem “circunstân­cia”, e esta é desafiante.

A União Europeia foi o modelo inspirador de outras latitudes onde a submissão colonial pelos ocidentais recebeu um ponto final

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