O pacto para a Justiça e a reforma judiciária
1 “Os acordos para o sistema de justiça”, a que chegaram as ordens e as associações profissionais da Justiça, em resposta à interpelação do Presidente da República, são positivos, e a iniciativa deve ser aplaudida. Mas seguiu a metodologia errada, porque se limitou a ser um acordo de cúpulas, o que anulou a dinâmica de uma participação alargada.
Em 2003 fizemos diferente quando organizámos o Congresso da Justiça. O “fizemos” incluiu todas as organizações que subscreveram agora o “acordo”. Deu muito trabalho a concretizar e teve momentos de tensão e impasse. Mas consegui-se envolver todas as instituições judiciárias, sempre com o patrocínio ativo do Presidente Jorge Sampaio, o que potenciou o debate a nível nacional e permitiu uma representatividade de opinião alargada. E esse alargamento do debate, que culminou com o congresso realizado na Aula Magna em 2003, não impediu consensos nem obviou a que fosse aprovado um caderno de encargos reivindicativo comum, que foi apresentado ao poder político. 2 O principal problema do sistema judiciário é de estruturas, de organização, de métodos de trabalho e de funcionamento. Não temos falta de legislação; temos provavelmente leis a mais, algumas conflituantes, gerando dificuldades de interpretação e opiniões contraditórias q.b. Tudo isso potencia a incerteza. E essa incerteza leva à injustiça, sendo certo que os tribunais existem para aplicar a lei, e não para fazerem justiça.
Os verdadeiros problemas com que nos defrontamos estão no modo como estruturamos o sistema judiciário, como estabelecemos as hierarquias entre os diversos centros de decisão judiciária e como definimos a geografia judiciária.
Defendo que a atual Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) é um avanço significativo para um novo paradigma. Mas defendo também que é um avanço mitigado, o que lhe retira eficácia. E que ficou a meio de um percurso que teria sido importante e fundamental percorrer. 3 O acordo inclui, a abrir, um surpreendente ponto de consenso, propondo o “estudo da unificação da jurisdição comum com a jurisdição administrativa e fiscal, criando uma ordem única de tribunais, um único Supremo Tribunal e um Conselho Superior da Magistratura Judicial”. Só propõe o estudo, mas é um avanço importante, que deve ser enaltecido e apoiado, porque é uma medida totalmente acertada.
Mas falta dar um outro passo para que a reforma possa ser completa e eficaz. E essa outra medida passa pela extinção dos julgados de paz e a sua substituição por tribunais municipais. 4 É necessário salvaguardar e concentrar, através da especialização, o sistema judiciário, inter-relacionando-o com uma efetiva justiça de proximidade para a resolução de disputas. E essa proximidade deveria ser estabelecida a dois níveis: um primeiro nível, mais concentrado geograficamente, através da jurisdição de família e menores e dos juízos de proximidade, um segundo nível, disseminado por todo o território nacional, através da criação de uma jurisdição periférica composta por tribunais municipais, que assegurasse uma efetiva proximidade de decisão de todas as causas de baixa intensidade sobre direitos disponíveis, deixando para os tribunais judiciais os litígios de maior complexidade ou de maior valor económico. 5 Uma reforma com essa dimensão (integração dos tribunais administrativos e comuns na jurisdição cível; e criação de tribunais municipais em substituição dos julgados de paz) criaria uma rede judiciária completa e integrada e teria implicações muito relevantes na eficácia da organização do sistema judiciário.
Mas precisaria de um tempo razoável para ser implementada. Um tempo que ultrapassaria uma legislatura.
Ora, a ser assim, tal só poderia fazer-se com um pacto de regime consensualizado pelas profissões judiciárias e com o compromisso das principais forças políticas de que esses consensos seriam integrados dos respetivos programas de governo, o que seria garantia da sua adoção, qualquer fosse o resultado das eleições.
E a orgânica do Ministério da Justiça a formar deveria integrar um secretário de Estado para a Gestão dos Equipamentos e Estruturas Judiciárias e um secretário Estado adjunto para a Reforma Judiciária, que servisse de interlocutor permanente para a concretização desse objetivo nacional. 6 Temos pela frente desafios exigentes e acentuadas resistências à mudança. A começar por aqueles que ocupam lugares institucionais a extinguir, que dão poder e prestígio social. E a acabar naqueles que falam do que não sabem, apoiados no populismo grosseiro e de curto prazo, evidenciando não entender que as sociedades mudam e que as dinâmicas nos obrigam a ajustamentos.
Mas a verdade é só uma: ou nos salvamos todos, ou vamos juntos ao fundo!
O principal problema do sistema judiciário é de estrutura, de organização, de método de trabalho e de funcionamento