Diário de Notícias

Barbacena. A aldeia pacata que já não deixa a porta aberta

No interior do país, há localidade­s onde se deixava as portas abertas e se ia trabalhar. Agora, com as notícias de que os assaltos deixaram de ser um exclusivo das grandes cidades, a população, cada vez mais idosa, começa a ter cuidados, pois passam dias

- ROBERTO DORES

Longe vão os tempos em que a porta de casa de António José Pires estava aberta dia e noite no centro de Barbacena, freguesia rural do concelho de Elvas, que chegou a ter três mil habitantes. “Ia horas esquecidas trabalhar no campo, a minha mulher ficava sozinha, mas nunca houve problemas. Até há uns dez anos nem sabíamos o que era inseguranç­a por aqui”, recorda.Viria a optar por ser mais prudente à medida que as notícias de assaltos a moradias no Alentejo se foram avolumando, enquanto a idade também fez despontar limitações físicas que recomendam cuidados redobrados numa localidade onde se passam dias sem a população avistar militares da GNR.

Enquanto enche um garrafão de água imprópria para consumo na fonte da terra, mas que será aproveitad­a para outros usos, lá explica que tem 84 anos, assumindo que se, hoje em dia, alguém lhe tentar fazer mal terá dificuldad­e em reagir coma ligeireza de outros tempos.

Ou seja, esclarece, “sinto-me seguro na rua, porque as pessoas são pacíficas e funcionamo­s quase em família, mas às vezes vemos por aí gente de fora que pode andar a tramar alguma. O problema é que somos quase todos velhotes sem condições para responder a qualquer situação mais violenta. Nunca aconteceu, mas pode acontecer”, sublinha, admitindo ter sido esta a principal razão que o levou a começar a trancar portas e janelas durante a noite. “Já ninguém deixa as portas abertas em Barbacena. Se facilitarm­os podemos ter alguma surpresa desagradáv­el, como aconteceu ao meu vizinho”, recorda.

António José Pires aludia ao caso de um idoso a quem, há umas semanas, entraram em casa enquanto o homem estava no lar. Terão roubado vários artigos e algum dinheiro. E no último fim de semana a igreja foi alvo de furto, tendo desapareci­do o cálice e a patena (prato onde se coloca a hóstia durante a missa). Também o cilindro que garantia água no balneário público foi furtado. “Numa terra tão pacata, onde não tínhamos nada destas coisas e só víamos crimes pela televisão, estes roubos deixam-nos preocupado­s e sem saber o que pensar”, sublinha.

Revela, por exemplo, que costumava sair diariament­e após o jantar para tomar café, mas há uns anos que pôs fim a esse velho hábito para evitar passar por uma zona escura no regresso a casa, enquanto recua umas décadas, quando os únicos furtos de que havia conhecimen­to eram feitos nos campos. “Às vezes roubavam umas cabeças de gado ou alguma comida, mas agora vieram para as cidades e aldeias e isso deixa algumas pessoas intranquil­as”, insiste.

Estes são os argumentos também exibidos por José Guerra e Luísa Marques para justificar­em um olhar cauteloso por cima do ombro quando se deslocam à caixa ATM para levantar dinheiro. “Durante o dia estamos seguros, porque nunca se passou nada de anormal, mas à noite não se vê ninguém na rua durante o inverno. Barbacena transforma-se numa aldeia-fantasma, porque somos uma terra de velhos”, justifica Luísa, que deixou a porta de casa trancada apesar do breve instante que saiu à rua.

José Guerra, de 80 anos, confirma que o envelhecim­ento popular, a par do despovoame­nto – a freguesia já não chega aos mil habitantes – estarão na origem do aumento da inseguranç­a da população de Barbacena, lamentando que a ausência da GNR possa ser um “incentivo” a mãos criminosas. “Mesmo que aqui passe o carro da Guarda, quem quiser fazer alguma coisa, é só esperar que os militares se vão embora”, alerta.

Isto porque, como explica o presidente da junta, Jorge Madeira, há mais de uma década que o posto da Guarda fechou em Barbacena, passando o posto mais próximo a funcionar na freguesia de Santa Eulália (a cerca de dez quilómetro­s), encerrando durante a noite e aos fins de semana, período em que a segurança da região fica entregue ao piquete sediado em Elvas e Arronches.

“Os militares deslocam-se à freguesia apenas quando são chamados para ser feita alguma participaç­ão”, diz o autarca, assumindo que sempre que há furtos é apresentad­a queixa, mesmo que não dê em nada”, refere. Jorge Madeira compreende o clima de “alguma inseguranç­a” que nos últimos anos se foi instalando entre os mais idosos, perante as recentes ocorrência­s, mas assume que ainda é dos que têm o hábito de deixar as chaves na ignição da carrinha durante a noite. “Bem sei que há dias roubaram um Audi em Santa Eulália, mas eu ainda confio que não serei roubado à porta de casa”, conclui.

“(...) à noite não se vê ninguém na rua durante o inverno. Barbacena transforma-se numa aldeia-fantasma, porque somos uma terra de velhos”

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Agora, uma simples ida à ATM faz que José Guerra tome precauções a que não estava habituado

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