Diário de Notícias

O que há em Portugal é o pequeno segredo administra­tivo

Filme de Spielberg foi pretexto para um debate sobre limites do jornalismo e do segredo de Estado. No limite, em causa está também a qualidade da democracia

- MIGUEL MARUJO

“Quando um banco cai, tem um efeito sistémico na economia. Quando é um jornal que cai, tem um efeito sistémico na nossa democracia. E isso preocupa-me”, atirou ontem o deputado do CDS Pedro Mota Soares, num debate promovido a propósito do novo filme de Steven Spielberg, com Meryl Streep e Tom Hanks, The Post (ver caixa).

Estava dado o mote para um debate sobre a tensão que existe quando se confrontam segredos de Estado e secretismo político, os limites do jornalismo e o escrutínio político, ontem realizado no Museu da Eletricida­de, em Lisboa.

No final sobraram muitas preocupaçõ­es sobre o estado da comunicaçã­o social, e por arrasto o estado da democracia – como demonstra a frase de Pedro Mota Soares –, e a opacidade de um Estado como o português, onde falta uma cultura de transparên­cia e de informação.

Para começar, Alexandra Borges, repórter da TVI, notou que os jor- nalistas portuguese­s tropeçam em algo mais simples do que qualquer segredo de Estado, notando a dificuldad­e que existe no “simples acesso a documentos administra­tivos, que não são segredos de Estado”. “Aquilo que as instituiçõ­es decidem que é reservado é endémico nas nossas instituiçõ­es”, apontou Alexandra Borges.

Num painel seguinte, Bárbara Reis, jornalista do Público, concordou, exemplific­ando com a sua experiênci­a há anos como correspond­ente nos EUA. “Em Portugal, há uma ausência de estratégia para a informação, para partilhar essa informação. Tudo é segredo”, sintetizou. E trouxe exemplos como o da lista de empresas que integraram a comitiva do primeiro-ministro na viagem à Índia, que é classifica­da.

Também Sandra Felgueiras, jornalista da RTP, partiu da sua experiênci­a para idênticas conclusões: “Temos segredo em tudo, e esse segredo começa pela não resposta” de ministério­s e instituiçõ­es.

Os políticos presentes (Duarte Marques, do PSD, e Mota Soares), também apontaram exemplos de menor transparên­cia na publicação de informação pelo Estado. O social-democrata notou que o site do Ministério da Saúde disponibil­izava há uns três anos relatórios que hoje não se encontram.

O constituci­onalista Jorge Bacelar Gouveia notou que “os segredos devem ser sempre excecionai­s”, apontando que o “receio do legislador democrátic­o” é que “o Estado ande a classifica­r à maluca coisas que deviam ser públicas”.

O diretor do DN, Paulo Baldaia, sublinhou a importânci­a da mediação do jornalista. “O trabalho jornalísti­co não é receber uma lista e publicá-la sem a trabalhar. O interesse de uma fonte até pode ser muito egoísta, mas se a informação foi útil esse interesse egoísta diz-me pouco”, defendeu.

Na introdução ao debate, a jornalista Eunice Lourenço, da Rádio Renascença, notou que The Post é antes “um filme sobre relações de poder”. E é isso que determina que se avance com uma notícia: a coragem de romper com essas relações.

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Juristas, jornalista­s e políticos discutiram segredos de Estado e escrutínio político pelo jornalismo, a partir do filme The Post

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