O que há em Portugal é o pequeno segredo administrativo
Filme de Spielberg foi pretexto para um debate sobre limites do jornalismo e do segredo de Estado. No limite, em causa está também a qualidade da democracia
“Quando um banco cai, tem um efeito sistémico na economia. Quando é um jornal que cai, tem um efeito sistémico na nossa democracia. E isso preocupa-me”, atirou ontem o deputado do CDS Pedro Mota Soares, num debate promovido a propósito do novo filme de Steven Spielberg, com Meryl Streep e Tom Hanks, The Post (ver caixa).
Estava dado o mote para um debate sobre a tensão que existe quando se confrontam segredos de Estado e secretismo político, os limites do jornalismo e o escrutínio político, ontem realizado no Museu da Eletricidade, em Lisboa.
No final sobraram muitas preocupações sobre o estado da comunicação social, e por arrasto o estado da democracia – como demonstra a frase de Pedro Mota Soares –, e a opacidade de um Estado como o português, onde falta uma cultura de transparência e de informação.
Para começar, Alexandra Borges, repórter da TVI, notou que os jor- nalistas portugueses tropeçam em algo mais simples do que qualquer segredo de Estado, notando a dificuldade que existe no “simples acesso a documentos administrativos, que não são segredos de Estado”. “Aquilo que as instituições decidem que é reservado é endémico nas nossas instituições”, apontou Alexandra Borges.
Num painel seguinte, Bárbara Reis, jornalista do Público, concordou, exemplificando com a sua experiência há anos como correspondente nos EUA. “Em Portugal, há uma ausência de estratégia para a informação, para partilhar essa informação. Tudo é segredo”, sintetizou. E trouxe exemplos como o da lista de empresas que integraram a comitiva do primeiro-ministro na viagem à Índia, que é classificada.
Também Sandra Felgueiras, jornalista da RTP, partiu da sua experiência para idênticas conclusões: “Temos segredo em tudo, e esse segredo começa pela não resposta” de ministérios e instituições.
Os políticos presentes (Duarte Marques, do PSD, e Mota Soares), também apontaram exemplos de menor transparência na publicação de informação pelo Estado. O social-democrata notou que o site do Ministério da Saúde disponibilizava há uns três anos relatórios que hoje não se encontram.
O constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia notou que “os segredos devem ser sempre excecionais”, apontando que o “receio do legislador democrático” é que “o Estado ande a classificar à maluca coisas que deviam ser públicas”.
O diretor do DN, Paulo Baldaia, sublinhou a importância da mediação do jornalista. “O trabalho jornalístico não é receber uma lista e publicá-la sem a trabalhar. O interesse de uma fonte até pode ser muito egoísta, mas se a informação foi útil esse interesse egoísta diz-me pouco”, defendeu.
Na introdução ao debate, a jornalista Eunice Lourenço, da Rádio Renascença, notou que The Post é antes “um filme sobre relações de poder”. E é isso que determina que se avance com uma notícia: a coragem de romper com essas relações.