Diário de Notícias

Índia cria passaporte cor de laranja para migrantes

Governo anuncia emissão de documentos diferencia­dos para migrantes com menos habilitaçõ­es. A ideia não agrada

- CÉSAR AVÓ

As alterações anunciadas à emissão de passaporte­s na Índia estão a receber um coro de críticas de juristas, ativistas e emigrantes. Segundo o novo sistema, a entrar em vigor em data a anunciar, os indianos com menos instrução que queiram emigrar para um grupo de 18 países vão ter um passaporte com capa cor de laranja. Os restantes cidadãos vão continuar a ter um passaporte azul escuro. O líder da oposição condenou a ideia.

As medidas anunciadas pelo Ministério das Relações Externas da Índia contemplam também o fim da publicitaç­ão de dados pessoais para todos os novos passaporte­s. Até agora a última página listava a morada, os nomes do pai ou tutor legal, da mãe, do cônjuge, e se o titular está na categoria ECR, isto é, para quem saia do país com o propósito de emigrar e cujas habilitaçõ­es estejam abaixo do 10.º ano de escolarida­de. Com o novo modelo essa página ficará em branco.

Apesar de ser um dos países com menor percentage­m de migrantes (cerca de 1%), a Índia é um dos países com mais pessoas a trabalhar fora. Em 2015 eram 15,6 milhões. A maioria emigrou para o Golfo Pérsico, além do Paquistão e dos Estados Unidos. Quem migra para países do Golfo está mais exposto a trabalhar em condições indignas. Por exemplo, entre 2012 e 2014 morreram mais de 500 trabalhado­res no Qatar. Quem queira migrar para essa meia dúzia de países, bem como para outros como a Indonésia, Tailândia ou Malásia, necessita de autorizaçã­o das autoridade­s indianas.

O governo alega que as alterações a introduzir nos passaporte­s visam proteger os direitos dos cidadãos menos esclarecid­os, mas não pormenoriz­a em que medida a diferencia­ção no documento servirá de antídoto para as redes de exploração de migrantes. “O governo tem de clarificar como é que este sistema vai funcionar em favor dos trabalhado­res”, afirma Sehjo Singh, dirigente da organizaçã­o não governamen­tal ActionAid.

“Não se pode dividir as pessoas com base na sua educação. Isso é discrimina­ção. Uma capa cor de laranja mostra que uma pessoa não tem educação e torna-a mais vulnerável a ser explorada. Já são pessoas vulnerávei­s e do que precisam é de mais proteção e não de discrimina­ção”, diz à Reuters S. Irudaya Rajan, professor do Centro de Estudos do Desenvolvi­mento emThiru van anth apuram, capital doestado de Kerala (Sul do país), de onde muitos migrantes são oriundos.

No Twitter, o novo presidente do Partido do Congresso, Rahul Gandhi, criticou a ideia do passaporte colorido: “Tratar os trabalhado­res migrantes da Índia como cidadãos de segunda classe é completame­nte inaceitáve­l.”

Também o antigo ministro-chefe deKer ala OomenChand­ry se pronunciou desfavorav­elmente em relação aos novos passaporte­s .“No momento em que o detentor de um passaporte cor de laranja aterra noutro país vai ser tratado com desdém, o que terá um impacto significat­ivo no carácter e na personalid­ade dessa pessoa.”

Migrantes na Arábia Saudita ouvidos pela Saudi Gazette criticaram a medida: é mais um obstáculo na obtenção de vistos de visita aos familiares e para avisar estes em caso de acidente ou de repatriaçã­o.

“Tratar os trabalhado­res migrantes da Índia como cidadãos de segunda classe é inaceitáve­l”, reagiu Rahul Gandhi

 ??  ?? Migrantes indianos em trânsito para uma obra no Dubai, em 2006
Migrantes indianos em trânsito para uma obra no Dubai, em 2006

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal