Diário de Notícias

A herança dos clássicos

- JOÃO LOPES CRÍTICO

Émuito provável que Lamas do Mississipi, o magnífico filme de Dee Rees inspirado no romance

Mudbound, de Hillary Jordan, venha a ser um dos títulos mais castigados pela agitação da chamada temporada de prémios. Porquê? Porque as expectativ­as de prémios não se estão a concretiza­r, augurando uma presença discreta nas nomeações para os Óscares. A situação é tanto mais insólita quanto estamos perante um filme que reflete de modo direto e incisivo um dos temas emblemátic­os da atual conjuntura mediática. A saber: o racismo na história social dos EUA (neste caso, a partir das experiênci­as de dois jovens do Missouri, um branco, outro negro, combatente­s da Segunda Guerra Mundial). Em boa verdade, uma das obras máximas da produção americana de 2017 – Detroit, de Kathryn Bigelow, sobre os motins que abalaram aquela cidade em 1967 – teve a mesma sorte: a sua subtileza temática e excelência narrativa foram esquecidas por todas as entidades responsáve­is pelos prémios que têm estado a ser atribuídos. Este apagamento dá que pensar. Fica-se com a sensação de, neste contexto, o cinema constituir uma peça secundária, meramente instrument­al. Acima de tudo, celebram-se “temas”, esquecem-se os filmes. Na prática, as primeiras vítimas são objetos tão inteligent­es e subtis como

Lamas do Mississipi. O filme de Dee Rees consegue essa proeza rara de não tratar nenhuma personagem como porta-voz do que quer que seja, antes mostrando as profundas clivagens de uma sociedade em que a discrimina­ção dos afro-americanos se deteta nos mais discretos gestos e rituais do quotidiano. Reencontra­mos, assim, a abrangênci­a da visão social de clássicos como Elia Kazan ou Otto Preminger.Tempos difíceis: é mais fácil ser “panfletári­o” do que abraçar a herança de Kazan e Preminger.

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