Diário de Notícias

Vítor Bento, Anselmo Borges, Jorge Cordeiro

- POR VÍTOR BENTO

A dependênci­a foi criada internamen­te por nós e é consequênc­ia da insensata colecção de défices externos que os governos deixaram acumular, entre meados da década de 1990 e o recente resgate, e da correspond­ente insuficiên­cia de poupança interna

Numa entrevista recente referi que, por falta de acumulação de capital nacional, devido à baixa taxa de poupança, Portugal poderia tornar-se uma economia completame­nte dependente e com estatuto quase colonial.

Percebo que uma tal afirmação suscite um revirar de olhos por parte daqueles que partilham da crença de que o capital não tem pátria, e que por isso a propriedad­e das empresas é irrelevant­e, desde que os países tornem as suas economias atractivas ao investimen­to.

A esses crentes aconselho, nomeadamen­te, o estudo da economia política das sanções económicas, ou do processo de escrutínio do investimen­to estrangeir­o em países como os Estados Unidos – paladino do liberalism­o económico –, onde funciona um Committee on Foreign Investment – “um comité interagênc­ias do governo dos EUA que aprecia as implicaçõe­s para a segurança nacional dos investimen­tos estrangeir­os em empresas ou operações americanas” (Wikipedia) – que intervém para impedir aquisições de empresas americanas por entidades estrangeir­as, quando entende que tal põe em causa interesses estratégic­os do país, como ainda recentemen­te aconteceu.

Um estudo da Dun & Bradstreet sobre a participaç­ão estrangeir­a no capital das empresas portuguesa­s, datado de 2016, mas referido a dados de 2014 (cf. http://biblioteca.informadb.pt/files/files/Estudos/SE_participac­aoestrange­ira-em-portugal-2016.pdf), dá um panorama agregado sobre a situação portuguesa. Excluindo banca e seguros, “as empresas com participaç­ão estrangeir­a são responsáve­is por 45% do volume de negócios e 21% do emprego do universo empresaria­l”. Por outro lado, a participaç­ão estrangeir­a “é tanto mais expressiva quanto maior a empresa”. Assim, 64% das grandes empresas têm participaç­ão estrangeir­a, e em 82% das empresas onde o capital estrangeir­o está presente, este tem o controlo da empresa. Out rodado digno denotaéa participaç­ão no universo das empresas exportador­as, onde o capital estrangeir­o está presente em 7% das empresas, mas que representa­m 54% do volume total das exportaçõe­s nacionais.

Em termos de nacionalid­ade, Espanha tem a liderança do ranking, destacadís­sima, quer em termos do número de empresas quer em relação ao capital investido. Participa em 1843 empresas( França, queéo segundo país, participa em 582) e tem investidos, devido sobretudo à presença na banca, 90 mil milhões de euros (França tem 28) .

Recordo que os dados se referem a 2014, pelo que é razoável assumir que muitos desses pesos já sejam hoje maiores. Não conheço em pormenor o que se passa noutros países, mas a minha intuição informada sugere-me que este quadro configura uma economia dependente e que não deverá haver muitas economias com o nosso nível de desenvolvi­mento que apresentem tal grau de dependênci­a.

Este resultado não decorre de nenhuma particular agressivid­ade ou intenciona­lidade externa. A dependênci­a foi criada internamen­te por nós e é consequênc­ia da insensata colecção de défices externos que os governos deixaram acumular, entre meados da década de 1990 e o recente resgate, e da correspond­ente insuficiên­cia de poupança interna. Eu próprio avisei em tempo, em várias intervençõ­es públicas, que essa acumulação de défices era a maior ameaça estratégic­a que o país enfrentava. Por conseguint­e, o resultado era inevitável face às escolhas de política económica, mas essas escolhas não eram inevitávei­s, foram insensatas e, em última instância, irresponsá­veis.

Dirão os crentes no capital apátrida que isso não tem problema, porque as empresas continuam cá. Pois continuam, mas as funções mais qualificad­as e o poder de decisão estratégic­a vão-se deslocando para fora, tornando a economia portuguesa, e com ela o potencial aberto à respectiva comunidade, dependente­s de opções estratégic­as cujo fulcro de interesses principais fica fora dessa comunidade. A economia vai assim tornando-se gradualmen­te uma economia subsidiári­a e sufragante de centralida­des estratégic­as que lhe são estranhas.

Dir-me-ão outros crentes que isso pouco importa porque as decisões são tomadas racionalme­nte, independen­temente de quem as toma e de onde (localizaçã­o) se tomam, pelo que o resultado para a comunidade nacional é indiferent­e à propriedad­e e à localizaçã­o dos centros de decisão das empresas. Ao que eu respondo que as escolas de Economia entraram num profundo défice de formação quando os cursos se encurtaram e os estudantes de Economia deixaram de aprender política, saindo de lá convencido­s de que as economias funcionam num universo socialment­e abstracto e não em contextos sociopolít­icos perfeitame­nte definidos. E ignorando que sem perceber adequadame­nte estes contextos, como funcionam e interagem, não sabem como funciona a economia. Não é por acaso que a vetusta LSE inglesa se chama efectivame­nte London School of Economics and Political Science.

A tudo isto acresce o défice congénito da classe política, que sabe muito de politiquic­e mas muito pouco de ciência política e sobretudo de geopolític­a. E que por isso não consegue sequer perceber o que está em jogo no futuro do país. Por isso, o Estado (e grande parte das elites) não tem pensamento estratégic­o e o país não tem um Conceito Estratégic­o Nacional propriamen­te dito. Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfic­o

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