Ministério Público deduziu acusação para julgamento por tribunal coletivo pela “prática de um crime de homicídio na forma tentada”
O Ministério dos Negócios Estrangeiros está disposto a levantar a imunidade diplomática dos dois filhos do antigo embaixador iraquiano, que acabam de ser acusados de tentativa de homicídio, por parte do Ministério Público. Em declarações ao DN, o ministério liderado por Augusto Santos Silva deixa nas mãos da Procuradoria-Geral da República essa decisão: “Logo que comunique ao Ministério dos Negócios Estrangeiros que a diligência pretenda seja realizada junto das autoridades iraquianas, será imediatamente realizada, pela via diplomática apropriada.”
Na verdade, a partir de agora cabe ao Estado Português conduzir o processo, na medida em que os jovens poderão ser julgados em Portugal (uma vez levantada a imunidade diplomática) ou, em alternativa, o caso ser remetido para o país de origem, o Iraque.
Igualmente contactada, a Procuradoria-Geral da República não respondeu em tempo útil a esta dúvida. Porém, vários especialistas em direito penal ouvidos ontem pelo DN apontam como hipótese mais provável que o julgamento venha a ser realizado em Portugal. “Se não for possível serem notificados, no âmbito de um mandato de captura internacional, poderão ser declarados contumazes”, sublinha Manuel de Magalhães. “Se estiverem fora do Iraque, e forem detidos no âmbito de um mandato de extradição internacional para comparecerem a julgamento, é possível. Tudo depende do que se tenha passado anteriormente”, acrescenta o especialista em direito penal, lembrando que, se tivessem sido constituídos arguidos, com termo de identidade e apresentações periódicas, “poderiam ser julgados na ausência”, embora, uma vez conhecedores da sentença, pudessem de imediato apresentar recurso. Mas uma vez que se mantém a imunidade diplomática, Manuel de Magalhães tem dúvidas sobre o resultado desta ação.
A acusação foi divulgada na página da internet do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Évora, sem no entanto identificar os arguidos. Mas fontes judiciais confirmaram à agência Lusa que são os filhos do antigo embaixador do Iraque em Portugal. Num comunicado ontem divulgado, pode ler-se que “em inquérito cuja investigação correu termos no DIAP de Évora, o Ministério Público deduziu acusação para julgamento por tribunal coletivo contra dois arguidos, imputando-lhes a prática de um crime de homicídio na forma tentada”.
Recorde-se que a família do jovem agredido tinha chegado a um acordo extrajudicial, em janeiro do ano passado, com o embaixador Saad Mohammed Ali (entretanto retirado de Portugal pelo governo iraquiano), que deu ordem de transferência de 40 mil euros para a conta da vítima. A essa quantia somaram-se mais 12 mil euros, relativos a despesas hospitalares. O acordo incluía a renúncia de apresentar queixa ou pedir futuras indemnizações tanto aos irmãos Haider e Rhida como a Rúben Cavaco, uma vez que os irmãos iraquianos alegavam ter sido igualmente agredidos. Porém, o acordo não tem qualquer influência sobre o processo no Ministério Público, uma vez que está em causa um crime público. Fontes judiciais citadas pela Agência Lusa frisaram que o processo de investigação foi encerrado e proferido o despacho de acusação, aguardando-se que os arguidos sejam notificados.
O caso aconteceu a 17 de agosto de 2016, quando o jovem Rúben Cavaco foi espancado em Ponte de Sor pelos filhos do embaixador do Iraque em Portugal, Haider e Ridha, gémeos que tinham na altura 17 anos. O jovem sofreu múltiplas fraturas, tendo sido transferido no mesmo dia do centro de saúde local para o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, e chegou mesmo a estar em coma induzido.