Trocaram de clube mas continuaram de verde e branco
Campeões pelo Sporting em 1981-82, Manuel Fernandes, Jordão, Eurico, Mészáros e Zezinho reuniram-se no Bonfim há 30 anos
“Um V. Setúbal quase a reeditar o Sporting.” É assim que Eurico Gomes recorda, ao DN, a equipa que integrou há precisamente 30 anos e que tinha cinco antigos jogadores, um ex-treinador e ex-um preparador físico do Sporting, todos campeões nacionais em 1981-82 em Alvalade. Sadinos e leões jogam hoje à noite.
Corria o verão de 1987 quando o Vitória, recém-promovido à I Divisão depois de no ano anterior ter descido pela primeira vez em quase três décadas, quis reforçar a equipa com futebolistas experientes e com provas dadas, a fim de garantir uma época à altura dos pergaminhos do clube. “O presidente, Fernando Oliveira, quis construir uma grande equipa, crescida e madura, que não suscitasse dúvidas. E não suscitou. Foi uma grande época. A primeira grande aquisição foi o Manuel Fernandes, porque ele e Fernando Oliveira tinham uma grande amizade. Depois surgiram os convites a outros em final de carreira, como eu, que vinha de uma lesão grave e tinha entrado em litígio com a equipa técnica de Tomislav Ivicc no FC Porto”, começou por contar Eurico Gomes, o antigo defesa, hoje com 62 anos, que começou a carreira no Benfica. Os métodos de Roger Spry “Queria acabar a carreira e provar que não estava aleijado. Dizia-se que eu estava acabado e até que tinha uma perna maior do que a outra, mas isso ficou dissipado com a minha ida para Setúbal. O Manuel Fernandes tinha chamado o Jordão, que inicialmente não estava recetivo e motivado, mas influenciei-o e ele aceitou. Juntámo-nos ao Mészáros e ao Zezinho, que já lá estavam, e criámos um V. Setúbal quase a reeditar o Sporting”, vincou o antigo internacional português.
“OV. Setúbal e o Sporting tinham relações muito boas, Fernando Oliveira tinha relações privilegiadas com os dirigentes do Sporting. Julgo que os tempos vão fazendo mossa na forma como os clubes se vão interligando”, afirmou Eurico, que considera “normal” o esfriar de relações institucionais entre ambos os emblemas verde e brancos.
Voltando a puxar a cassete atrás, o antigo defesa dos três grandes recorda um V. Setúbal pujante financeiramente, a contrastar com as dificuldades que hoje atravessa. “Naquela época, o V. Setúbal tinha uma saúde financeira muito boa. O presidente estava robusto, era dos principais concessionários da Renault na região de Setúbal, um empresário muito dinâmico e forte. Pagou-nos o justo”, acrescentou, acerca de um dirigente que há um mês deixou a presidência do emblema sadino, depois de para lá ter voltado em 2009.
À beira-Sado, Eurico, Manuel Fernandes, Jordão, Mészáros e Zezinho voltaram a ser orientados por uma dupla inglesa campeã em Alvalade: o treinador Malcolm Allison e o excêntrico preparador físico Roger Spry. “Tínhamos um padrão de jogo à Allison, com um futebol de ataque, um estilo não consensual. Marcávamos muitos golos mas ficávamos expostos na defesa. E o Spry era único e especial. Não trabalhava como os outros. Os métodos dele eram avançadíssimos e muito elaborados”, recordou Eurico, que entretanto tornou-se treinador, passou por clubes como Tirsense, Académica, Paços de Ferreira e Rio Ave, e atualmente espera que o telefone toque para voltar aos bancos.
Na temporada 1987-88, Manuel Fernandes chegou a marcar o golo do V. Setúbal que deu a vitória por 1-0 sobre o Sporting
A mesma visão tem Aparício, avançado português que começou a carreira em França e, já perto dos 30 anos, beneficiou da companhia destes craques para fazer uma grande época de estreia na I Divisão e ser chamado à seleção nacional.
“Foi uma temporada espetacular. O presidente foi buscar jogadores com carisma, nome e qualidade, com alguma idade mas muita classe”, lembrou ao nosso jornal o atual membro do departamento de scouting do V. Setúbal, que apesar do estatuto inferior ao dos ex-leões diz ter sido sempre muito bem tratado por todos eles, com os quais ainda se relaciona: “Falávamos sobretudo em campo. Fizemos jogos fantásticos e tivemos grandes vitórias. Allison e Spry também eram fantásticos, fora do comum, avançados 20 anos em relação a outros treinadores. Gente boa!” Manel marcou ao Sporting Entre os grandes jogos a que os dois ex-futebolistas se referem está um empate a quatro golos frente ao FC Porto campeão europeu, uma vitória no Jamor sobre o Benfica (1-0, golo de Aparício) e um triunfo no Bonfim sobre o Sporting por 2-1.
A partida diante dos leões teve a particularidade de um golo apontado no primeiro minuto por... Manuel Fernandes – Paulinho Cascavel empatou para os lisboetas e Vítor Madeira fez o segundo para os vitorianos. “O Manel festejou! Ele aceitou o convite do V. Setúbal depois de ter sido dado como acabado no Sporting, quando tinha oferecido toda uma carreira ao clube. Não sei se a ele lhe doeu, mas a nós não”, contou Eurico. “Não foi uma situação fácil, porque ele é todo Sporting, mas ultrapassou porque era um excelente profissional e gostava muito de jogar futebol”, aditou Aparício.
Manuel Fernandes, que chegou a Setúbal aos 36 anos e menos de um ano depois de ter apontado um póquer nos 7-1 ao Benfica, terminou a época no comando técnico da equipa, acabando por iniciar aí a carreira de treinador. Os setubalenses concluiriam a temporada em oitavo lugar, em igualdade pontual com Espinho e Chaves, sexto e sétimo, respetivamente. No ano seguinte, Fernando Oliveira tentou mais um reforço de peso. “Na altura, oVitória estava bem e Fernando Gomes foi uma hipótese muito concreta”, revelou Aparício, 59 anos, autor de 16 golos em 1987-88.