FESTIVAL DA CANÇÃO UM JÚRI DE LUXO E 27 CANDIDATOS A SUCEDER A SALVADOR
RTP revelou os nomes dos intérpretes das 26 canções. Filomena Cautela e Pedro Fernandes apresentam a final no dia 4 de março, a partir do Multiusos de Guimarães
Desta vez não vai estar no palco. Quase 50 anos depois de ter participado pela primeira vez num Festival RTP da Canção, em 1969, depois de mais duas participações e de ter vencido o festival em 1973, com a incontornável Tourada, Fernando Tordo está de volta às lides festivaleiras. Agora, como compositor, convidou a cantora Anabela para interpretar o tema Para Te Dar Abrigo. “É preciso ser de facto um tipo dedicado e de qualquer maneira profissional para aceder a este convite”, comenta o músico de 69 anos. “Não podia faltar, especialmente pela razão que se prende com o ano passado, não tanto pela vitória mas pela mudança que foi operada. À nossa conta, à conta dos cantores e compositores portugueses, creio que o Festival Eurovisão não vai mais ser um festival de dança e de fogo-de-artifício. Isso é muito interessante: é fantástico que tenha sido o nosso país (um país pequeno e de que só se conhece o fado) a alterar uma coisa que parecia inalterável.”
E para mostrar como está em forma, o músico arriscou tudo: “Quem ouvir não vai perceber que é uma música do Fernando Tordo.” Além de ter desafiado Anabela a cantar, convidou Tiago Torres da Silva para fazer a letra e compôs uma música um pouco diferente da sua sonoridade habitual: “Compus com um instrumento que nós portugueses levámos para o Brasil, a viola campaniça, que no Brasil se transformou na viola caipira – que provoca, quando é tocada, um tipo de composição completamente diferente.”
Ontem foram conhecidos os intérpretes das 26 canções, que se juntam aos compositores que já eram conhecidos, e o resultado torna-se ainda mais imprevisível. Vamos ter dois fadistas – Peu Madureira (que vai cantar o tema de Diogo Clemente) e Rita Ruivo (para interpretar a canção de João Afonso). Vamos ter vozes reveladas no concurso de televisão The Voice – Maria Amaral (escolhida pelo compositor Paulo Praça), Cláudia Pascoal (a defender o tema de Isaura) e Maria Inês Paris (sobrinha de Tito Paris). José Cid, que depois de várias participações venceu o Festival da Canção em 1980 com Um Grande, Grande Amor, vai subir ao palco com Gonçalo Tavares, que já o acompanha nos seus espetáculos. J.P. Simões e Diogo Piçarra defendem as suas próprias canções.
E depois há as revelações. Jorge Palma escolheu Rui David para cantar Sem Medo. O músico do Norte do país é o líder do Projeto Alarme, que revisita canções de Abril dando-lhes uma musicalidade contemporânea. Catarina Miranda, também conhecida como Emmy Curl e atual vocalista dos :papercutz, vai interpretar o tema de Júlio Resende. Sequín (nome artístico de Ana Miró) vem da música eletrónica para interpretar o tema de Xinobi. Susana Travassos, que tem feito a sua carreira entre Portugal e o Brasil, dá voz a Mensageira,a canção de Aline Frazão.
Capicua escolheu Tamin, cantora que começou no fado, apaixonou-se pelo hip hop e hoje faz parte do Cais do Sodré Funk Connection. “A voz dela junta esses mundos todos, a música portuguesa e a música negra. E essa misturada toda é a nossa canção”, explica Capicua, que assina a letra de Sobre Nós e também se estreia na composição em parceria com Luís Montenegro, Virtus e Sérgio Alves. Será, portanto, uma música com o imaginário de Capicua, mas não será um rap, avisa.
Benjamim fez a sua canção já a pensar na intérprete, Joana Espadinha. “Foi uma coisa feita de raiz e a pensar neste formato, de três minutos”, explica o compositor. Como Benjamin está a produzir o novo disco de Joana Espadinha, a parceria acabou por surgir naturalmente. “É uma canção verdadeiramente original, a estética e a composição em si são muito diferentes daquilo a que estou habituada”, comenta a cantora de jazz. “É completamente Benjamin, mas ao mesmo tempo foi pensada para a minha voz e para aquilo que eu sou capaz de fazer.”
Francisca Cortesão, que há um ano tocou na banda de Lena d’Água, regressa ao festival como compositora e convidou Joana Barra Vaz para cantar Anda Estragar-Me os Planos (letra em parceria com Afonso Cabral). Esta aceitou “relutante”, pois, como explica a autora da canção ,“não costuma ser intérprete”. A canção foi pensada para a sua voz.
Neste ano o número de concorrentes foi alargado. Dos 16 de 2017 passamos para os 26 deste ano. Nuno Galopim e Henrique Amaro voltam a ser curadores e endereçaram o convite a 22 compositores. Três foram escolhidos através da Antena 1 – Rita Dias, Daniela Onís e o lusodescendente Peter Serrado. Os três vão interpretar as suas próprias canções. A última proposta vem de Salvador Sobral, como vencedor da edição do ano passado. A escolha foi para Janeiro, que interpreta a sua própria canção – Sem Título. Henrique Janeiro, 23 anos, já colaborou com o vencedor da Eurovisão no seu tema Tereza e Tomás.
“Há uma extraordinária classe artística em Portugal”, classificou o diretor de programas da RTP, na apresentação dos intérpretes, ontem, no Hub Criativo do Beato, em Lisboa. “Este não é apenas o festival que vai escolher a canção que vai à Eurovisão, é o que vai escolher a canção que vai à Eurovisão em Lisboa”, disse Daniel Deusdado. Pontapé de saída para a Eurovisão A um mês da primeira semifinal do Festival da Canção, os temas já estão na RTP e agora prepara-se o espetáculo. José Carlos Malato e Jorge Gabriel conduzem a primeira semifinal, a 18 de fevereiro. Sónia Araújo e Tânia Ribas de Oliveira estão à frente da segunda, a 25. Em ambas, em direto dos estúdios da RTP, haverá um tributo a Carlos Paião, “como se fosse um capítulo I e II”, de acordo com Gonçalo Madaíl, diretor criativo do Festival da Canção e da Eurovisão. A “enco-
menda artística” foi dirigida a João Pedro Coimbra e Nuno Figueiredo.
Na grande final, a partir do Pavilhão Multiusos de Guimarães, a 4 de março, os apresentadores são Pedro Fernandes e Filomena Cautela, “uma dupla que se conhece bem das maratonas do NOS Alive”, segundo Gonçalo Madaíl”.
A apresentadora deixa a green room, o espaço onde os artistas se reúnem para as votações e de onde assegurou as reportagens com os intérpretes e compositores, e passa a pasta a uma pessoa que conhece bem: Inês Lopes Gonçalves, do 5 para a Meia-Noite (RTP1).
À margem da apresentação dos intérpretes das 26 canções, Filomena Cautela assumiu que este vai ser “o pontapé de saída” para o evento maior, a Eurovisão, que também vai apresentar, no dia 12 de maio, ao lado de Daniela Ruah, Catarina Furtado e Sílvia Alberto. “Vêm coisas muito excitantes para Portugal, vai ser enorme. É o maior evento de música do mundo, um dos maiores do planeta, envolve muita gente, um grande cuidado, mas, lá está, o que nos fez ganhar foi fazer as coisas à nossa maneira e vamos ser fiéis a essa maneira que nos trouxe até aqui.”
Por ora, está focada no festival doméstico. “Em que este seja o melhor festival de sempre, o que também é a nossa obrigação”, explicou. Não [estava à espera de ser uma das escolhidas], mas qualquer pessoa que faça parte desta casa, da RTP, tem esperança de um dia vir a fazer o Festival da Canção.” O espetáculo final já está a ser preparado, com homenagens a Simone de Oliveira, com arranjos de Nuno Feist, e às Doce (via Moullinex). O quarteto que venceu o Festival da Canção em 1982, com a canção Bem Bom, de Tozé Brito, que neste ano estará no júri. Júlio Isidro, rebatizado Jurisidro há um ano e o único do painel de jurados que pode dizer que viu todos os festivais da canção desde 1964, apresentou os restantes elementos, responsáveis por 50% da votação (os outros 50% são apurados com o voto do público): os músicos Ana Bacalhau, Carlão, Sara Tavares e António Avelar Pinho, fundador da Banda do Casaco e produtor das Doce e, mais tarde, dos Heróis do Mar e do s Táxi; a apresentadora Ana Markl; o jornalista e crítico Mário Lopes; e Luísa Sobral.
Sobre o novo papel, diz a autora de Amar pelos Dois : “Não estou a julgar os meus colegas, estou a julgar uma canção. Uma canção não faz um compositor. Não é por ter feito aquela canção que sou a melhor compositora de Portugal, não é?” Vai deixar para as semifinais a audição das canções concorrentes. “Não quis ouvir antes.”
A expectativa não é que vença uma canção como Amar pelos Dois. “Não é por ter ganho aquela que tem de ganhar outra balada. Tem de ser uma canção de que todos nos orgulhemos. Representa o que está a ser feito em Portugal. Todos o fazem, por isso vai haver coisas boas”, resume. E, a 4 de março, também subirá ao palco para cantar. “Um tema novo, coisas do futuro”, refere a cantautora.
Quanto a Salvador Sobral, a recuperar de um transplante do coração realizado em dezembro, só deverá reaparecer na Eurovisão. “É disso que estamos à espera. É isso que está planeado.”
“Este não é apenas o festival que vai escolher a canção que vai à Eurovisão, é o que vai escolher a canção que vai à Eurovisão em Lisboa”
DANIEL DEUSDADO
DIRETOR DE PROGRAMAS DA RTP “Não é por ter ganho Amar pelos Dois que tem de ganhar outra balada. Tem de ser uma canção de que nos orgulhemos”
LUÍSA SOBRAL
CANTORA E COMPOSITORA