Diário de Notícias

C. J. TUDOR “AS CRIANÇAS NUNCA ESQUECEM AQUILO QUE UM DIA AS ASSUSTOU”

- JOÃO CÉU E SILVA

Autora d’O Homem de Giz, que fez furor na Feira do Livro de Frankfurt, falou ao DN em Lisboa, onde veio lançar o thriller de estreia. Direitos já foram comprados por 38 editoras.

é o primeiro romance de C.J. Tudor, uma autora inglesa que foi uma das sensações da Feira do Livro de Frankfurt e está a ser traduzida em todo o mundo. De forma simples, pode dizer-se que esta narrativa com todas as caracterís­ticas do crime psicológic­o pretende tomar o lugar que Gillian Flynn inaugurou com grande estrondo no seu livro Em Parte Incerta (Gone Girl) e Paula Hawkins trilhou com A Rapariga no Comboio.

O Homem de Giz foi lançado há uma semana em Inglaterra e cinco dias depois chegou a tradução às livrarias portuguesa­s, razão pela qual após ter iniciado a promoção no seu país veio a Lisboa. Em seguida irá a França e a agenda não lhe deixa muitos dias livres para continuar a vida simples que até há poucos dias levava, quando se sentava nos cafés a escrever: “Um escritor passa despercebi­do porque não é uma estrela de cinema. Ninguém nos reconhece!”

C.J. Tudor ainda acredita que daqui a umas semanas quem trabalha no café onde até agora passava parte dos seus dias a escrever não irá reconhecê-la enquanto escritora nem que comprem o seu livro e o leiam. Decerto, uma opinião bem diferente da que terá a sua agente ou as 38 editoras que adquiriram os direitos, até porque o livro vem carimbado com um rótulo de sucesso tão poderoso que parece difícil não correspond­er ao veredicto de todas as críticas britânicas que o caracteriz­am como de leitura “convincent­e” e “compulsiva”.

A escritora ainda desconhece o seu futuro comercial, o que não a impede de já ter escrito um segundo livro, em que a receita se mantém: um crime no passado que atormenta as personagen­s no presente. É o que se passa em O Homem de Giz, em que um grupo de jovens descobre o corpo desmembrad­o de uma rapariga e é assombrado por esses acontecime­ntos quando adultos, obrigando o leitor a perceber que a vida pacata daquela povoação escondia pessoas perigosas e nem as crianças estavam a salvo. A autora não baseou o livro em situações vividas por si própria – “nunca presenciei um crime!” –, mas as suas memórias estão presentes no ambiente do livro. Antes de se iniciar a entrevista, pergunta-se como é viver o “aroma do sucesso” de forma tão direta. Percebe-se que espera por números de vendas para saber o seu futuro e diz confiante: “Vou continuar a escrever como gosto.” O seu livro é a primeira grande aposta do ano. Está a divertir-se? O livro só está a sair agora e ainda não se sabe o seu futuro, mas estou quase a acreditar que vai correr bem porque todos preveem isso. Espero que sim, afinal é uma grande aposta da editora e há boa receção em quem o leu. No entanto, há sempre uma inseguranç­a. Portugal é o primeiro país que visita... Sim e adorei chegar ao aeroporto e ver uma quantidade de livros expostos. Diz-se que passeava cães enquanto escrevia o livro. É verdade ou marketing? É mesmo verdade, tinha um negócio de passear cães umas seis horas por dia, profissão que me possibilit­ava tomar conta da minha filha e escrever. Foi enquanto dog-walker que inventou o argumento do livro? Publicar era um desejo muito antigo e sempre escrevi nos intervalos dos vários empregos. Nunca quis trabalhar das nove às cinco, era mais fácil tomar conta do bebé e passear cães e, deste modo, ter tempo suficiente para escrever o livro. Como surge O Homem de Giz? Aconteceu no segundo aniversári­o da minha filha. Deram-lhe um quadro e uma caixa de giz de várias cores. Ela e os amigos fizeram vários desenhos de pessoas e espalharam-nos à volta da casa. Quando vi aqueles desenhos espalhados pela rua, com um aspeto assustador, nasceu a ideia. No dia seguinte acordei cedo e comecei a escrever. Foi fácil prosseguir a história? Sim, tanto assim que escrevi a primeira versão em seis meses. Não sou daquelas que se sentam a planear o romance, prefiro escrever o que me vai na cabeça. Quando acabei, submeti o texto a uma agente e, felizmente, reparou nele. Pediu-me uma segunda versão e gostou

“No aniversári­o da minha filha deram-lhe um quadro e uma caixa de giz. Quando vi aqueles desenhos espalhados pela rua, com um aspeto assustador, nasceu a ideia para o livro”

do que reescrevi. Depois, foi chegar a acordo com uma editora e aqui estou. Não foi o seu primeiro romance? É verdade, tenho escrito muito nos últimos dez anos, deixei livros pela metade e recebi negativas das editoras. Esta tentativa podia ter sido a última. O livro passa-se em 1986 e 2016. As memórias atraem os leitores? São sempre uma boa base para um argumento porque não são sólidas. Cada um tem uma perspetiva sobre o mesmo acontecime­nto e recordam-no sob forma diferente ou como é seu desejo, daí que num livro se possa jogar com a perda de certos aspetos das lembranças e mesmo alterá-las conforme nos agrada mais guardá-las. Conseguiu encontrar o registo literário perfeito para as memórias das crianças e depois quando são adultos? A parte mais fácil era as de quando eles eram crianças, até porque continuo a dar-me com amigos de infância e recordamos esses tempos. As crianças nunca esquecem aquilo que as assustou e isso foi de grande utilidade para este livro, tanto assim que comecei por escrever a parte mais antiga e só depois acrescente­i a versão enquanto adultos dessas memórias de crianças. No entanto, a maioria são rapazes... As vozes que ouvia quando me sentei a escrever não eram de raparigas, além de que precisava de ter certas peripécias mais próprias de rapazes. É a razão. Mas a vítima é uma rapariga... É verdade e aí inspirei-me muito no meu grupo de amigas. Todas as notícias sobre o livro definem-no como convincent­e e compulsivo. Porquê esta unanimidad­e? Creio que se deve a um relato que obriga a ler páginas atrás de páginas sem interrompe­r e no fim dos capítulos deixar um isco a prender o leitor. Porquê tantas reviravolt­as na história? Essas reviravolt­as pretendem reforçar o carácter das personagen­s. Muitas delas nem sabia que iriam acontecer mas iam surgindo e aproveitav­a-as. Aliás, achava que o assassino seria outro quando comecei, apesar de saber qual era o final que faria sentido. Deixei entrar vários desvios porque acho que um livro não deve apenas fechar em grande mas conter situações inesperada­s ao longo da história. Outra vontade minha era a de permitir que os leitores tirassem conclusões ao mesmo tempo que liam e pudessem no fim dizer que era este o criminoso de que suspeitava­m. Porquê tantas críticas à religião? Uma parte do livro trata da hipocrisia que existe nas atitudes das pessoas, que não tem apenas que ver com a religião mas com o poder e a autoridade que que são usados a troco de interesses próprios. Quero mostrar que com a idade se percebe como certas pessoas eram bem diferentes do que se imaginava. Isto aconteceu-lhe em criança? Não, nunca descobrimo­s um corpo na floresta. Mas gostaríamo­s que tivesse acontecido algo semelhante porque éramos fãs de histórias de suspense. Líamos o Stephen King e estávamos sempre à espera de algo estanho e assustador nas nossas brincadeir­as.

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Para C.J. Tudor o seu livro é um cenário onde se pode jogar com a perda das memórias
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C. J. Tudor Editora Planeta 320 páginas PVP: 18,85 euros
O Homem de Giz C. J. Tudor Editora Planeta 320 páginas PVP: 18,85 euros
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