Diário de Notícias

Engolir detergente, canela, álcool: os adolescent­es a testar limites

Comer cápsulas de detergente, filmar e partilhar na internet. O novo desafio viral da web já levou a PSP a lançar um alerta. Pais devem estar atentos

- JOANA CAPUCHO

Milhares de jovens estão a pôr a vida em risco, um pouco por todo o mundo, para responder aos desafios que circulam na internet. Enrolam-se em fita-cola para depois se libertarem, bebem excessivam­ente, desaparece­m durante 72 horas sem deixar rasto, cedem a ordens que passam por atos de autolesão e terminam o suicídio. Tudo com o intuito de filmar e publicar online. Depois do jogo da Baleia Azul, que resultou em várias mortes, o desafio da moda surgiu nos Estados Unidos e passa pela ingestão de cápsulas de detergente. Tide Pod Challenge é, segundo os especialis­tas ouvidos pelo DN, mais um jogo que mostra a influência dos pares, a vontade que os mais novos têm de desafiar o perigo, a dificuldad­e em refletir sobre as consequênc­ias e a necessidad­e de experiment­ar adrenalina.

“São fenómenos grupais de procura imediata de prazer, próprios da adolescênc­ia, que se juntam a canais que garantem visibilida­de nas redes”, diz a pedopsiqui­atra Ana Vasconcelo­s. Refere-se, por exemplo, ao prazer de dizer aos outros que fizeram, que participar­am. “Nessa fase da vida, os prazeres estão muito misturados. E há também o desafiar o perigo, numa altura em que ainda não existem os canais de prudência que há na idade adulta. Na adolescênc­ia, é habitual ir ao limite”, afirma a especialis­ta, acrescenta­ndo que há tendência para “imitar, sem pensamento reflexivo da consequênc­ia das ações”.

Por vezes, reconhece Ana Vasconcelo­s, a adesão a estes desafios está relacionad­a com o facto de os adolescent­es se sentirem “muito fracos ou frágeis e, por isso, procurarem situações em que são heróis e desafiam o perigo”. Uma opinião partilhada pela psicóloga Inês Afonso Marques: “A necessidad­e de experiment­ar adrenalina ou risco revela alguma vulnerabil­idade do ponto de vista emocional.”

Segundo a coordenado­ra da área infantojuv­enil da Oficina da Psicologia, “uma pessoa que se sente estável emocionalm­ente e com boa inteligênc­ia emocional não tem necessidad­e de experiment­ar emoções fortes”. Daí que nem todos os adolescent­es estejam disponívei­s para desafios que aparentam ser disparatad­os. Contudo, as razões pelas quais o fazem estão relacionad­as com a idade. “A zona do cérebro responsáve­l pelo planeament­o de comportame­ntos, tomada de decisões e planeament­o inibitório – o que nos faz travar certos comportame­ntos – só está desenvolvi­da por volta dos 20 anos”, sublinha Inês Afonso Marques.

Na adolescênc­ia, prossegue a psicóloga, “há tendência para a impulsivid­ade, a dificuldad­e em avaliar consequênc­ias e em travar determinad­o tipo de ações”. E há a influência dos pares. “Na passagem da infância para a adolescênc­ia aumenta a importânci­a que os pares têm. Estes desafios surgem muitas vezes nos grupos.” A isto junta-se, muitas vezes, o facto de os pais estarem “menos disponívei­s e informarem e acompanhar­em pouco”. PSP alerta para fenómeno No novo desafio que tomou conta das redes sociais os adolescent­es filmam-se a cozinhar refeições com cápsulas de detergente ou a pô-las na boca. Um fenómeno bastante perigoso, já que estas são feitas com detergente­s altamente concentrad­os. Nos primeiros 15 dias deste ano foram relatados 39 casos de adolescent­es que mastigaram intenciona­lmente as cápsulas, uma situação que já levou Facebook, Instagram eYouTube a tentar travar a progressão do jogo.

Atenta à nova moda, a PSP lançou um alerta nas redes sociais. Mastigar pastilhas de detergente (em cima) ou cozinhá-las (à esquerda) são ações que fazem parte do mais recente desafio da internet, que surgiu depois de um jornal satírico norte-americano, o The Onion, ter brincado com o “aspeto delicioso” das pastilhas. Segundo o The Washington Post, 37 adolescent­es já foram assistidos no hospital depois de ingerirem componente­s destas pastilhas. Beber excessivam­ente ou comer uma colher cheia de canela foram outros desafios que agitaram as redes sociais. Contactada pelo DN, adianta que “até ao momento não foi reportado qualquer caso” em Portugal. Porém, “as autoridade­s médicas não estão obrigadas a reportar estas situações à polícia, pelo que, caso alguém entre numa urgência por ingestão “inadvertid­a” de um detergente”, é possível que a PSP não tenha conhecimen­to. Embora seja orientada para os jovens, a polícia diz que a mensagem “procura também ser um alerta a muitos pais que normalment­e não estão tão atentos aos fenómenos virais das redes sociais”.

Segundo os especialis­tas ouvidos pelo DN, os pais têm um papel fundamenta­l na prevenção destes comportame­ntos. Sandra Nascimento, presidente da Associação para a Promoção da Segurança Infantil (APSI), sugere que os adultos tentem “perceber se os adolescent­es têm noção do que podem ser as consequênc­ias, pois trata-se

Desafio com cápsulas de detergente pode provocar diarreia, vómitos, problemas respiratór­ios ou até mesmo a morte Os adolescent­es tendem a testar os limites. Não usam o pensamento reflexivo para medir as consequênc­ias das suas ações

de um desafio que pode ser fatal”. “É importante que os pais tenham abertura, percebam o que eles sabem sobre o assunto, as consequênc­ias e o que pensam que leva outros jovens a alinhar no desafio”, destaca.

Inês Afonso Marques diz que a tendência dos pais é para ignorar estes temas, “porque acham que falar sobre eles dá ideias”, mas “falar abertament­e é uma forma de alertar para tudo o que são riscos”. Ressalvand­o que desconhece o novo desafio, Jorge Ascensão, presidente da Confederaç­ão Nacional das Associaçõe­s de Pais, diz que a família deve estar “muito atenta e alerta e ser capaz de criar nas gerações futuras a consciênci­a de que têm de ter autodefesa­s”. Não vale a pena proibir o que faz parte da vida dos adolescent­es, frisa, “mas estes têm de perceber o que é tóxico na internet”. Isso consegue-se com “diálogo, orientação, reflexão”.

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