Marcelo pressiona: “Agora o Pacto da Justiça não pode parar”
Marcelo e Ferro Rodrigues, sintonizados, pressionam deputados e governo para dar sequência legislativa ao acordo
PS, Bloco de Esquerda e PCP estão disponíveis para dar seguimento aos apelos, ontem, do Presidente da República e do presidente da Assembleia da República para que se inicie um processo que traduza legislativamente as resoluções do Pacto da Justiça obtido há semanas entre vários operadores do sistema judicial – e que nasceu de um apelo em setembro de 2016 de Marcelo Rebelo de Sousa.
Embora assinalando que o texto do Pacto ainda não foi formalmente remetido aos grupos parlamentares, o que “condiciona um bocado a discussão”, Filipe Neto Brandão, vice-presidente da bancada socialista, disse ao DN que o seu partido vê o Pacto de Justiça como “um roteiro válido para soluções legislativas, para o caminho que terá de ser trilhado”.
Segundo acrescentou, é preciso agora o PS e o governo “articularem-se”, até porque se há medidas no Pacto que podem ser de iniciativa parlamentar, outras remetem diretamente para o governo (revisão das custas judiciais, por exemplo). Além do mais, disse ainda o mesmo deputado, há aspetos do Pacto que remetem para a necessidade de uma revisão constitucional – a fusão num só das jurisdições comuns e administrativas – e isso, sim, é algo que, nesta legislatura, “não se antecipa” como possível. Para o PS, segundo Neto Brandão, é em suma de saudar a convergência obtida entre os vários operadores do sistema, quanto mais não seja pelo que ela significou de superação do “clima de hostilidade da anterior legislatura”.
Já José Manuel Pureza, do Bloco de Esquerda, assegurou, em declarações ao DN: “Com certeza que iremos a jogo.” E há – acrescentou – matérias de enorme urgência para resolver, como os estatutos do Ministério Público, da magistratura judicial e dos funcionários judiciais, e ainda a questão das custas judiciais. Ao mesmo tempo, disse ainda Pureza, há outras questões que não estão no Pacto e que merecem iniciativas legislativas: reforma do sistema prisional e da formação dos atores judiciais.
Quem também está disposto a ir a jogo é o PCP. Aliás, falando ao DN, o líder parlamentar dos comunistas, João Oliveira, salienta que o seu partido “até já começou o jogo antes” – quando propôs e conseguiu que as custas judiciais não aumentassem com o indexante dos apoios sociais. Agora, acrescenta, o PCP está a “fazer uma avaliação” do que vem no Pacto da Justiça e “a disponibilidade é total” para iniciar um processo legislativo.
No PSD e no CDS resultaram infrutíferas as tentativas de obter um comentário. No PSD, foi notório durante a campanha das diretas que o vencedor, Rui Rio, tem ideias fortes sobre a justiça, nomeadamente no campo do segredo de justiça e das garantias dos cidadãos, contra aquilo que chama de “julgamentos populares” em que põe cá fora acusações que depois não consegue provar. Resta saber se essas ideias implicarão ao partido alinhar no processo legislativo que decorrerá do Pacto.
Ontem, na cerimónia de abertu- ra do ano judicial, ocorrida como é hábito no Supremo Tribunal de Justiça, em Lisboa, o Pacto da Justiça foi uma referência em todos os discursos.
Sintonizados, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, pressionaram os deputados para agora avançarem.
Dizendo que se impõem “medidas urgentes em áreas em que a necessidade é mais visível”, Marcelo disse que “há que aproveitar estes ventos e não perder tempo” à espera da “construção ideal de um sistema completo”. “Importa conhecer o posicionamento dos partidos que dispõem de assento na Assembleia da República e apurar se – independentemente das suas perspetivas próprias e até da salutar afirmação de vias diferentes quanto à governação – aceitam também, desta feita, receber e ouvir com apreço e espírito aberto o que resultou da ponderação difícil e longa daqueles que todos os dias cumprem a sua missão na nossa justiça”, declarou.
Já Ferro Rodrigues saudou “os acordos interprofissionais para o sistema de justiça”, dizendo tratar-se de um “importante contributo, na medida em que temos em cima da mesa 80 medidas propostas por quem conhece por dentro o sistema e que visam a sua melhoria”. Portanto – prosseguiu – “cabe agora ao poder político, ao governo e à Assembleia da República, em articulação com os poderes próprios do senhor Presidente da República, olharem para este contributo qualificado e agirem dentro da sua esfera de poderes próprios”. Porque “superadas as principais dificuldades económicas e financeiras que marcaram os anos mais recentes, é tempo de prosseguir a consolidação orçamental com um novo olhar reformista”. Ou seja, “depois do tempo da urgência financeira, este é o tempo da política estratégica” e “o setor da Justiça faz parte dessa equação estratégica a par, certamente, das urgentes reformas do território e das florestas que o país exige”. Sendo certo que “as eleições europeias e legislativas serão apenas em 2019”, “os portugueses não compreenderiam que eventuais calculismos partidários prejudicassem a aprovação de mudanças que há muito se impõem”, concluiu .
O Pacto da Justiça passou por todos os discursos, nomeadamente pelo da ministra da Justiça. Para Francisca van Dunem, ele nasceu num “contexto colaborativo de favorecimento e abertura ao diálogo”, o qual por sua vez resultou de políticas governamentais que querem “uma mudança sem ruturas, nem sobressaltos, em modo participativo e que incorpora complexivamente todos os contributos po-
Ministra da Justiça atacou duramente governo anterior e a herança que deixou: “No final de 2015 o sistema estava exangue”, acusou Pacto da Justiça também implica revisão constitucional mas isso é algo que o PS “não antecipa” como possível até 2019
“Importa conhecer o posicionamento dos partidos que dispõem de assento na Assembleia da República [sobre o Pacto da Justiça]”
MARCELO REBELO DE SOUSA
PRESIDENTE DA REPÚBLICA “A ação do governo na área da justiça assumiu nestes dois anos [desde 2015] uma dimensão relevante de contingência”
FRANCISCA VAN DUNEM
MINISTRA DA JUSTIÇA “Cabe agora ao poder político (...) olhar para este contributo [do Pacto da Justiça] e agir dentro da sua esfera de poderes próprios”
EDUARDO FERRO RODRIGUES
PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA “Há que reconhecer a especial ligação do MP português aos Ministérios Públicos dos países da CPLP e territórios de língua oficial portuguesa”
JOANA MARQUES VIDAL
PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA “Deve ser ponderada a impossibilidade de sindicância judicial de decisões do MP no inquérito”
GUILHERME FIGUEIREDO
BASTONÁRIO ORDEM DOS ADVOGADOS “A imparcialidade é a compreensão da distância entre o juiz e a política [...] As aparências contam”
ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR
PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
sitivos do passado e do presente numa aliança de e para o futuro”. “Todos somos poucos para concretizar o desígnio comum de uma justiça acessível, célere segura e compreensível”, disse – numa intervenção também fortemente marcada por referências críticas à herança que recebeu do anterior governo (“no final de 2015 o sistema estava exangue” e “aturdido com uma sucessão de intervenções legislativas que não tinha condições para assimilar; debilitado na dimensão do capital humano, drasticamente reduzido com saídas massivas e precoces para a aposentação, em resposta a um ambiente de insegurança e incerteza; fragilizado e em crise grave de confiança relativamente aos sistemas de informação e tramitação processual”).
O anfitrião da cerimónia, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, António Henriques Gaspar, salientou pelo seu lado, quanto ao Pacto, que “o exercício tem de ser continuado, para definir um método de análise do resultado que permita dar-lhe coerência intras-sistemática”. Agora, afirmou, é o momento de as instituições olharem sobre o conjunto, “para além das ideias avulsas”.