GOVERNO “ESTÁ A ESTUDAR” IDEIA DO BASTONÁRIO QUE SINDICATOS REJEITAM
A proposta da Ordem dos Médicos para o fim dos atestados em doenças até três dias é chumbada pela CGTP, mas o governo admite estudá-la. Patrões dizem ser um “não assunto”
Governo está a estudar a medida e diz não ter oposição à sua implementação, lembrando que existe noutros países
A proposta da Ordem dos Médicos para que deixem de ser exigidos atestados médicos para doenças de curta duração, até três dias, “está a ser estudada” pelo governo, confirmou ontem o secretário adjunto e da Estado da Saúde, Fernando Araújo. A maior oposição à proposta vem da CGTP, que antecipa problemas para os trabalhadores nas empresas e até eventuais consequências em termos de saúde. Já a Confederação Empresarial de Portugal opta pelo silêncio, considerando o tema “um não assunto”.
A proposta em causa, que implicaria que o trabalhador passava a responsabilizar-se pela declaração de doença, foi confirmada à Lusa pelo bastonário dos médicos, Miguel Guimarães, o qual defendeu que a medida seria de “importância fundamental” para aliviar a pressão sobre as urgências hospi- talares e nos centros de saúde. Em particular à segunda-feira, dia em que, disse, é mais acentuada a corrida às urgências para a obtenção de uma declaração que, na maioria dos casos, os médicos acabam por passar.
“O que acontece quando se vai ao médico pedir um atestado porque se estava com uma dor de cabeça ou indisposição?”, questionou. “O médico vai passar o atestado, não tem grande alternativa. Estamos a falar de uma coisa de curta duração e que nem dá tempo para investigar qualquer doença que possa existir”, defendeu, avançando que, particularmente no início da semana, estes casos chegam a representar 15% a 20% do total das idas às urgências.
O DN tentou falar com o bastonário da Ordem dos Médicos, nomeadamente para conhecer a origem desta estimativa. Também o Ministério da Saúde e a Administração Central do Sistema de Saúde não avançaram, até ao fecho desta edição, com números relativos às baixas de curta duração.
Em todo o caso, Rui Nogueira, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, admitiu que o total de idas às urgências apenas para a obtenção da baixa médica “poderá até ser superior” às percentagens avançadas pelo bastonário.
Para Rui Nogueira, a proposta anunciada por Miguel Guimarães é “exequível e recomendável”, correspondendo a uma aspiração “antiga” dos profissionais do setor. Não só nos casos em que o doente confirma a própria doença como nas situações em que estão em causa dependentes.
“Se estão doentes e conseguem localizar o problema da sua doença, que até está resolvido com automedicação, é perfeitamente aceitável”, defendeu, lembrando que em muitos casos estes doentes “até já foram vistos na urgência e só precisam de justificar a ausência para o trabalho”. Da mesma forma, acrescentou, poderão ser justificadas doenças “de filhos menores, pequenos, que não podem ir à escola”, ou faltas relacionadas com o cuidado de “pais idosos” a cargo.
Assumidamente contra esta possibilidade está a CGTP. “Estamos no campo da saúde. Transformar estas faltas da saúde noutro paradigma qualquer não é aceitá- vel”, disse ao DN José Augusto Oliveira, responsável da Central Sindical para as políticas sociais.
“Alguém que está de baixa três dias está doente. É o médico que sabe se ele está doente e é ele que o avalia ao fim de três dias e ou o mantém de baixa ou lhe dá a alta”, argumentou, considerando que passar este ónus para o doente levaria a pô-lo “numa situação complicada”.
Desde logo, no plano das relações laborais, porque “uma relação de trabalho não é uma relação igual, em que o patrão decide e o trabalhador decide. Quem é que o salvaguarda [ao trabalhador] numa situação de saúde? Tem de ser o médico”, defendeu. Mas também na proteção do próprio doente: “Imaginem que alguém achava que não ia trabalhar por três dias e depois tinha uma patologia complicada, um aneurisma complicado, entrava numa urgência hospitalar e morria? Como é que se resolvia esta situação?”, questionou.
Rui Nogueira defendeu, no entanto, “que nunca deixaria de se ir às urgências” em situações de doença salvo em situações em que o doente estava seguro da patologia, “como constipações ou gripes”, lembrando que, na dúvida, “existe a excelente linha Saúde 24” para ajudar a tomar a decisão.
O certo é que a hipótese é levada a sério pelo governo. “Do ponto de vista conceptual não temos oposição à medida. Há países onde já acontece”, afirmou o secretário de Estado adjunto à agência Lusa.