Diário de Notícias

“Este é o verdadeiro associativ­ismo, de paixão pela terra”, diz Bruno Costa, que é, ao mesmo tempo, presidente e jogador

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“Estamos em último, com orgulho. Há três ou quatro anos também estávamos em último, mas era da II Divisão distrital.” É sem rodeios que o presidente, Bruno Costa, fala da situação da AD Fornos de Algodres, única equipa que ainda não ganhou esta época nos nacionais de futebol. O clube do distrito da Guarda está na 16.ª e última posição da Série C do Campeonato de Portugal, com apenas dois pontos (fruto de dois empates e 15 derrotas). Mas essa é só uma parte da história de uma instituiçã­o que foi reerguida pela prata da casa, os jogadores que tomam conta da direção do clube.

Bruno Costa é um presidente de chuteiras, capaz de conciliar a gestão dos destinos da AD Fornos de Algodres com as funções de avançado e capitão de equipa (e com o emprego de professor de Educação Física). E guia o DN pelas façanhas e angústias de um clube 100% amador – de uma vila de 1600 habitantes, sede de um concelho com menos de 5000 – que compete num meio cada vez mais profission­alizado.

Para o emblema beirão, o primeiro ponto da época só chegou ao fim de 11 jornadas (1-1 em casa do Sourense) e o triunfo inaugural tarda em aparecer. O cenário não é inédito no Campeonato de Portugal: ainda na época passada o Torre de Moncorvo acabou com dois empates e 30 derrotas – e Naval e Atlético só se estrearam a ganhar na 2.ª fase. Contudo, não era algo que os responsáve­is do Fornos de Algodres imaginasse­m quando, no verão, celebraram o regresso aos nacionais de futebol, após sete anos de ausência.

“Não podemos dizer que está a ser uma época positiva: os resultados estão à vista. O início foi muito complicado. Devido às dificuldad­es financeira­s, não conseguimo­s contratar jogadores com mais qualidade e experiênci­a. Mas não pensava que o Campeonato de Portugal fosse tão profission­al”, esclarece Bruno Costa, de 30 anos. O azar explica o resto: “Já perdemos quatro ou cinco jogos no tempo de compensaçã­o. Todos os que jogam connosco dizem que não entendem como estamos nesta situação.”

A falta de meios pesa bastante numa prova onde a maioria dos clubes

Fornos de Algodres compete na Série C do Campeonato de Portugal, tendo rivais como a U. Leiria é profission­al ou semiprofis­sional. Em Fornos de Algodres, o teto salarial está fixado nos 100 euros e o plantel é integralme­nte amador – apenas tem alguns jogadores de fora da vila, que recebem alimentaçã­o e alojamento, enquanto tentam usar o clube como rampa para outros patamares. “A época foi desenvolvi­da até hoje com 7000 euros, do apoio do município. Não temos muito mais onde ir buscar receita: a indústria é pouca, comércio é limitado e a população muito envelhecid­a”, descreve o presidente. “Assim, é muito complicado. Dá para combater a nível distrital, onde um clube organizado pode conseguir bons resultados, mas a nível nacional, outros valores se levantam”, conclui.

No entanto, Bruno Costa prefere fazer as contas assim “do que hipotecar o futuro do clube” – como aconteceu outrora. Em 2010, a AD Fornos de Algodres extinguiu o futebol sénior, depois de ter garantido uma subida inédita à II Divisão B (repescada, devido a outras desistênci­as), por não ter condições financeira­s para se inscrever. Renascido, um ano depois, na II Divisão distrital, o emblema beirão só conseguiu levantar-se a partir de 2014, quando um grupo de futebolist­as assumiu a direção. Ganhou a 2.ª distrital em 2014-15 e a 1.ª – com uma série de 14 jogos sem perder –, duas épocas depois.

“Este é o verdadeiro associativ­ismo, de paixão pela terra. Com a ajuda de toda a gente, conseguimo­s reerguer o clube”, sublinha o presidente, um dos jogadores que continuam em dois tabuleiros – o outro é Rui Lopes, médio, capitão de equipa e vogal da direção. “Não é fácil gerir tudo, tenho as minhas funções dentro e fora de campo. Muitas pessoas de outros clubes talvez não entendam como sou capaz… e outras talvez nem tenham noção, porque não faço questão que saibam”, conta Bruno Costa, admitindo que “por vezes” tem de “intervir no balneário”, como dirigente, mas assegurand­o que isso “nunca” lhe trouxe problemas com atletas ou técnicos.

Problemas, em Fornos de Algodres, só os desportivo­s. A 13 jornadas do fim, e com os lugares de permanênci­a a 20 pontos de distância (descem seis equipas), a manutenção parece uma miragem – como o é quase sempre para os clubes do distrito da Guarda (desde 2010 que nenhum passou mais de um ano nos nacionais). “A federação deveria repensar este campeonato. Nestes moldes, é quase impossível uma equipa do interior manter-se...”, aponta o presidente, admitindo que é quase impossível evitar a descida. “Se se confirmar, vamos para os distritais enriquecid­os por esta experiênci­a e prontos para lutar pelos lugares cimeiros”, acrescenta.

Até lá, resta-lhe “manter a equipa motivada, jogo a jogo, para continuar a lutar até ao fim”, com fé que a primeira vitória acabará por aparecer, a premiar a resiliênci­a de quem não deixou morrer a AD Fornos de Algodres: “Mais dia, menos dia, as coisas vão sorrir para o nosso lado.” Maxi Pereira e o Mundial Maxi Pereira, lateral-direito do FC Porto, abordou ontem a possível ausência do Campeonato do Mundo na Rússia, devido à falta de minutos nos dragões. O uruguaio entende se não for convocado, mas ainda não baixou os braços.

“Tenho mais ambição do que nunca de estar no Mundial, mas se não estiver, e sei que agora é mais complicado, não vou guardar rancor e ficarei agradecido por tudo o que vivi na seleção. Sei que é muito importante jogar no clube para ter essa oportunida­de. Nada está certo”, salientou o internacio­nal uruguaio de 33 anos, que tem visto o seu lugar no lado direito da defesa ser ocupado habitualme­nte por Ricardo Pereira, jogador em que Sérgio Conceição tem apostado. G.L.

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