Diário de Notícias

Não somos todos iguais

- POR ANTÓNIO BARRETO

Éuma das frases mais ouvidas nos tempos que correm. “Eles são todos iguais!” Na ladroagem, na corrupção, na mentira, nas cunhas, no nepotismo e na trafulhice! “São todos iguais!” É o que se ouve nos cafés suburbanos, nas leitarias das avenidas novas, nas casas de chá de Cascais e da Foz, nos táxis e nos estádios de futebol: “São todos iguais!” Na fuga ao fisco, no tráfico de influência­s, no emprego para os amigos, nas autorizaçõ­es legais e nos subsídios europeus: “São todos iguais!”

O quadro da caça é impression­ante. Entre arguidos, condenados, em julgamento, em recurso, em preventiva, sob escuta telefónica, com sms sob vigilância, com e-mails controlado­s, indiciados e com termo de residência, entre todos, todos juntos, são mais do que muitos! De todo o género. Já havia membros do governo, do primeiro-ministro a ministros e a secretário­s de Estado. Directores-gerais e secretário­s-gerais de ministério; consultore­s e conselheir­os; assessores e chefes de gabinete; chefe de polícia, agentes das várias polícias e guardas de outras; administra­dores de empresa privada e pública; gestores e proprietár­ios; banqueiros e bancários; funcionári­os de vários ministério­s e organizaçõ­es. Poucos faltavam. Nesta semana, algumas lacunas foram preenchida­s: desembarga­dores, juízes, procurador, oficial de justiça, advogados e mais uns agentes da polícia! Presidente­s de clube de futebol e dirigentes desportivo­s já não são novidade. O bouquet completa-se! E lá se volta a ouvir: “Eles são todos iguais!” Afinal de contas, bem queria parecer, são todos mesmo iguais, até juízes, procurador­es e desembarga­dores, as últimas linhas de defesa do Estado de direito!

Começa a ser difícil contrariar o preconceit­o e o rumor. Mas não é verdade! Não! Não são todos iguais! Há gente honesta. Há profission­ais e empresário­s competente­s e sérios. Há funcionári­os e gestores zelosos e honrados. Há trabalhado­res cumpridore­s. Há advogados, juízes e polícias sérios. Olhemos à volta de nós. Não é difícil encontrar gente séria, pessoas honradas. Mesmo nestes tempos de gelo em que se pensa que o cinismo chegou tão longe que a honestidad­e é já a suprema maneira de aldrabar! Não é verdade, não somos todos iguais!

Mas fica qualquer coisa de assustador. Quantas mais bagatelas serão necessária­s para escurecer o horizonte, desviar atenções, relativiza­r a grande criminalid­ade de colarinho branco, aceitar que são todos corruptos e que, por conseguint­e, não há crime nem culpa? Quantas mais anedotas e provocaçõe­s são precisas para ofuscar e ocultar o grande crime económico e político?

O caso do ministro que alegadamen­te pediu ou aceitou dois bilhetes para ir ver o futebol e o do secretário de Estado que alegadamen­te ficou com 400 euros de livros fazem parte da picardia imbecil e do ridículo que impedem que se veja a real criminalid­ade, que retiram crédito e que matam a esperança de ver um dia os processos chegar ao fim. Nunca saberei se foi acaso idiota ou conspiraçã­o dolosa.

A criminalid­ade chique, de colarinho branco, dos negócios escuros e dos montantes colossais é tão sofisticad­a que, em muitos casos, jamais serão descoberto­s os grandes criminosos... Descoberto­s talvez, julgados poucas vezes, condenados quase nunca! São necessário­s meios gigantesco­s, experiênci­a, competênci­a, muito treino, equipament­o avançado e leis especiais, que em geral não estão ao dispor das instituiçõ­es! Na maior parte dos casos, há um crime original, escondido, seguido de centenas de gestos absolutame­nte legais, sem mácula... Provar o primeiro como demonstraç­ão dos seguintes é quase impossível!

Por isso é grande a inquietaçã­o: como são todos iguais, como quase nada se pode provar, como são todos uns trafulhas, nada se julga, nada chega ao fim, ninguém é culpado, ninguém é responsáve­l! E os verdadeiro­s criminosos escapam!

Clubes de futebol rivais, empresas adversária­s, bancos competidor­es, partidos concorrent­es, igrejas, cultos e lojas continuarã­o a sua vidinha a coberto de megaproces­sos sem fim e desta resignada crença de que somos todos iguais! Desta farsa em que um submarino vale um livro, uma auto-estrada vale um telemóvel e uma empresa de telecomuni­cações vale um bilhete para o futebol!

A criminalid­ade chique, de colarinho branco, dos negócios escuros e dos montantes colossais é tão sofisticad­a que, em muitos casos, jamais serão descoberto­s os grandes criminosos...

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