Diário de Notícias

“Agora só faço o que acho que tem valor”

- JOÃO ALMEIDA MOREIRA, em São Paulo

Guerra dos Sexos foi a novela que a tornou famosa em Portugal nos anos 80 e a quinta em que participou. Pelo trabalho na televisão, no cinema e no teatro recebeu 12 prémios. Além de atriz, é escritora, tendo publicado seis livros. No ano passado, após 37 anos de ligação, foi dispensada da TV Globo. Maitê Proença festejou 60 anos de vida e 40 de carreira na semana passada, durante sessão em São Paulo de A Mulher de Bath, um entre Os Contos de Cantuária, de Chaucer. A atriz fala ao DN sobre feminismo, o tema da peça, apesar de escrita no longínquo século XV. Como foi o processo de descoberta deste texto de Chaucer, um dos pais da língua inglesa? Há dois anos, um amigo editor presenteou-me com a mais recente tradução da obra. José Francisco Botelho havia feito um trabalho primoroso, por isso ao ler fiquei de queixo caído com o conto de A Mulher de Bath. Pela contempora­neidade do tema, pela forma com que ela conta as artimanhas do amor, a sua luta pela igualdade entre os sexos e a comunicabi­lidade do texto – achei que estava pronto para ser dito. Mas como transforma­r em teatro? Chamei o diretor Amir Haddad, o que tem a forma mais atual e inovadora de fazer teatro, e ele encantou-se tanto quanto eu e começámos a trabalhar. O facto de o texto, mesmo escrito no final da Idade Média, falar de feminismo, tema na ordem do dia, influencio­u-a na escolha? Sim. Pela coragem desta mulher sem papas na língua e pela forma de criticar o modo de os homens lidarem com as mulheres, mas também por contar truques e artimanhas que elas usam nas suas manipulaçõ­es para conseguire­m o que querem. Ela é ousada, verdadeira, destemida e muito engraçada. O que diz surpreende­u na sua época, atravessou os séculos e causa espanto hoje. Conta levar a peça a Portugal? Adoraria. Faz tempo demais que não visito Portugal. A última vez foi com Achadas e Perdidas e fizemos uma digressão muito bem-sucedida por todo o país. Foi uma alegria! De lá para cá já escrevi duas outras peças, premiadas, que não foram a Portugal. Agora estou com este texto corajoso, encenado de uma forma muito contemporâ­nea. É a pergunta inevitável nos tempos que correm: alguma vez sofreu assédio na carreira? Inúmeras. Sofri assédio inúmeras vezes mas sobrevivi. Festejou 40 anos de carreira, aplaudida no Brasil e em Portugal, mas acabou por não renovar contrato com a Globo, como aliás outras atrizes da mesma faixa etária. Foi traumático? Não foi agradável porque não é bom ser dispensada ao fim de 37 anos. Resolvi agora fazer só aquilo que considero de real valor: produzir e levar ao público o que é extremamen­te valioso e comunicati­vo, mas com qualidade. Vou apresentar­oquemepare­cerinovado­re indispensá­vel. Tenho mais experiênci­a hoje como artista e sou uma mulher mais inteira. Portugal conheceu-a na primeira versão da telenovela Guerra dos Sexos. O que lembra daqueles tempos? Foi a primeira novela com um tom de comédia, antes disso a televisão só produzia dramalhões, “telelágrim­as”. A novela era ótima e ousada, por essa razão bom de fazer. Houve um mal-entendido com Portugal por causa das piadas sobre portuguese­s há alguns anos. Como foi? O que recorda do episódio? Foi mesmo um mal-entendido. Uma lástima! Eu amo Portugal. Os meus avós de ambos os lados eram portuguese­s. Voltei da tal digressão ao país com um material filmado de três horas. Filmei o meu deslumbram­ento com as belezas de Portugal. O diretor de um programa em que eu era apresentad­ora [Saia Justa] pediu para fazer um trailer para apresentar no tal programa. Infelizmen­te escolheu só bobagens, brincadeir­as privadas que não eram para exibição pública porque não refletiam o meu pensamento. E houve uma edição maldosa para a internet, provocando esse tal da fake news, no caso, a fake impression. Enfim, espero que isso se dilua. Peço perdão. Li que está numa fase de profundo autoconhec­imento e que esteve na Índia. Contar em livro – AVida Inventada – um trauma de infância [o pai matou a mãe por ciúmes] foi libertador? Esse assunto serve à ficção, que foi o que fiz em Uma Vida Inventada, utilizando-me da minha história pessoal sim, mas apenas como fonte. Não é um bom assunto para falar em entrevista­s porque é íntimo. Hoje toda a gente opina sobre política, incluindo muitos atores, em ano de eleições e de polarizaçã­o. O que esperar das eleições no Brasil? O mundo está conservado­r. Esse mundo líquido que o Zygmunt Bauman nos descreve, em que tudo é transitóri­o, deixa as pessoas com uma nostalgia do que é conhecido e sólido. Na América Latina tivemos governos bolivarian­os populistas por toda parte. Foram eleitos porque as pessoas queriam um retorno às suas origens. Não deram certo a nível financeiro e por isso agora há um desapontam­ento. Mas o jihadismo também me parece ser fruto da mesma árvore, bem como os movimentos de direita na Europa, e assim por diante. O Brasil vai pelo mesmo caminho, o que é uma tristeza. E como viu a substituiç­ão de Obama por Trump? Acho desastrosa a troca. Depois de terminar a temporada de A Mulher de Bath, o que se segue? Teatro, cinema, livro? A Mulher de Bath terá vida longa. No entanto, paralelame­nte, dirigi no ano passado uma peça que se tornou de culto chamada É Sobre Você Também, com uma atriz nova e texto da própria – Julia Portes – e vamos voltar a estrear este ano. Entretanto, vou dirigir o Eduardo Bueno, jornalista historiado­r, numa palestra-show sobre os 500 anos do Brasil e tenho alguns projetos em estudo para televisão... Tenho muita coisa pela frente, é o que posso dizer.

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