Diário de Notícias

Costa entre Bruxelas e a parede

- PAULO TAVARES

Alegislaçã­o laboral tem como ponto de partida a regulação de uma relação desequilib­rada. O relacionam­ento jurídico e económico entre patrão e trabalhado­r não é uma relação entre iguais. É esse jogo de forças desiguais que justifica o artigo 59.º da Constituiç­ão. Fixam-se aí os princípios gerais, constituci­onais, da proteção dos trabalhado­res. Este caminho, de definir como desigual essa relação protegendo a parte mais frágil, é uma construção que decidimos enquanto comunidade e Estado de direito democrátic­o.

Nos últimos anos, o poder legislativ­o e o jogo de forças desiguais entre sindicatos e patrões aproveitar­am toda a margem do texto constituci­onal para desconstru­ir boa parte desse edifício. Haveria certamente normas caducas, incompreen­síveis direitos adquiridos e um sistema de garantias e proteção incompatív­el com a sacrossant­a produtivid­ade. Estávamos a anos-luz da Europa civilizada, diziamnos. E continuam a dizer, como ontem a Comissão Europeia, que veio apelar a um aligeirar do “excesso de proteção” dos trabalhado­res com contratos sem termo (dos quadros). O facto é que, a cada mudança na legislação laboral, antes e depois da troika, a tal relação desigual ficou mais desequilib­rada.

O apelo de Bruxelas até faz algum sentido. A ideia é incentivar as empresas a celebrar contratos sem termo certo. Diz a Comissão que a possibilid­ade de o trabalhado­r vir a ser reintegrad­o na empresa por decisão judicial introduz um elemento de imprevisib­ilidade que está a travar a contrataçã­o de trabalhado­res com vínculo permanente. Não se percebe ao certo o que Bruxelas sugere, mas parece claro que o resultado viria a desequilib­rar ainda mais o jogo.

Horas depois da divulgação deste estudo da Comissão, Marcelo recebeu em Belém os líderes da CGTP e da UGT. Arménio Carlos foi taxativo à saída do encontro com o Presidente. Pela CGTP, está na hora de restituir todos os direitos perdidos nos últimos anos, de revogar as leis laborais aprovadas durante os anos da troika. Mais: “O governo tem de escolher em que lado quer estar. Se está do lado da CGTP e da esquerda” ou do lado da Europa. O problema político está aí para António Costa gerir nos próximos meses. Será, como já aqui escrevi, um dos temas decisivos neste ano, na relação do governo com os seus parceiros parlamenta­res.

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