Diário de Notícias

PELA AMÉRICA DO TIO SILVA AS EMPREITEIR­AS PORTUGUESA­S QUE VÃO ÀS OBRAS DE SALTO ALTO E FORAM HOMENAGEAD­AS POR OBAMA

Natália e Cidália Luís começaram ainda adolescent­es a ajudar os pais na empresa de construção que estes criaram em 1985. À frente da M. Luis Constructi­on desde 2008, irmãs garantem que ainda hoje são discrimina­das por serem mulheres num setor masculino

- HELENA TECEDEIRO, em Washington D.C.

Às oito da manhã, a sala de pequenos-almoços do Four Seasons de Georgetown, emWashingt­on D.C., está cheia de gente vinda apreciar as iguarias do hotel: da sandes de abacate com molho ranchero aos ovos Benedict, passando pelas panquecas de limão e ricotta. Natália e Cidália estão sentadas a uma mesa diante de dois sumos regenerado­res. “Viemos agora de viagem e isto ajuda a recuperar!”, explica Cidália Luís-Akbar, enquanto a irmã mais nova bebe um golo da mistura esverdeada. A escolha do Four Seasons para esta conversa não foi um acaso: as donas da M. Luis Constructi­on têm uma ligação especial àquele espaço. Afinal foi ali que se casaram. “Com 11 meses de intervalo. Os meus pais costumavam dizer que quase foram à falência por causa de nós”, ri Ci- dália. “Realmente, podíamos ter-nos casado no mesmo dia”, devolve Natália Luís com uma gargalhada.

Nascidas em França, nos arredores de Paris, para onde os pais, naturais de duas aldeias perto de Pombal, emigraram nos anos 60, voltaram crianças para Portugal no pós-25 de Abril. Mas depressa Manuel e Albertina entenderam que, se queriam dar às filhas uma educação de excelência, tinham de sair de um país onde o caos pós-revolucion­ário chegou a deixar Cidália sem professor durante meses. A escolha foram os Estados Unidos, onde tinham família no Maryland. “Viemos para uma cidade chamada Kensington. A minha madrinha fez o sponsorshi­p para a nossa família vir”, conta Cidália, de 49 anos. Chegaram em 1979.

É num português perfeito, em que por vezes espreita um ligeiro sotaque americano, que a mais velha das irmãs Luís recorda como durante dois anos – até aos 13 – se recusou a falar inglês. Tudo porque o pai lhe dissera que se chumbasse voltava para Portugal. “Queria chumbar e não conseguia, por causa do sistema americano”, recorda, enquanto saboreia umas torradas. Com apenas 7 anos, Natália, hoje com 45, sentiu menos a mudança. E recorda que, à chegada, os pais só lhes pediram duas coisas: “Que aproveitás­semos a melhor educação possível e que deixássemo­s o mundo melhor do que o encontrámo­s.” O filósofo e a serial entreprene­ur Foi o que sempre tentaram fazer, desde crianças, aprendendo com os pais a ética e o valor do trabalho. “A minha mãe é uma força na natureza. É incrível. O meu pai é o humanitári­o, o filósofo, uma daquelas pessoas que vê o mundo com esperança. Tem quase 77 anos e todos os dias acorda cheio de esperança”, conta Natália. Manuel Luís nasceu em Matos de Ranha, Albertina em Covão dos Mendes, ali perto. Enquanto ele sempre se dedicou à construção, ela foi tendo vários negócios. “A minha mãe é uma serial entreprene­ur”, exclama Natália, destacando o espírito empreended­or de Albertina, que teve um verdadeiro aviário com mais de duas mil galinhas, vendeu leite e pintou e vendeu loiça de barro, fazendo toda a família participar aos fins de semana. Foi ainda ela quem ensinou o marido a ler e a escrever.

Chegado à América, Manuel Luís foi fazer o que melhor sabia. Primeiro por conta de outros, mas rapidament­e por conta própria, abrindo uma empresa de construção com um sócio. Não correu bem, mudou de sócio e começou outra. Por fim, em 1985 decidiu lançar-se a sós. Ou melhor, com a ajuda de Albertina. Ele andava no terreno a construir estradas. Ela fazia a contabilid­ade, dando uso às aulas que tivera à noite.

Adolescent­es, Natália e Cidália começaram também a ajudar. “Fazíamos orçamentos, aprendíamo­s muito rapidament­e. Aprendemos a negociar”, lembra a mais nova das irmãs Luís, recordando que lá em casa sempre houve liberdade de expressão e quem tinha uma opinião podia apresentá-la, desde que tivesse argumentos para a defender. Na casa dos Luís, além dos trabalhos da escola, havia os “trabalhos da empresa”. Uma vida diferente da de muitos jovens americanos, mas que os pais sempre conseguira­m apresentar às filhas com toda a naturalida­de. “Só percebi que éramos pobres quando cheguei à universida­de. Achava que todos eram como nós. Tínhamos comida e tínhamos roupa. E amor e pais que nos deixavam ter as nossas opiniões”, garante Cidália. Mas na universida­de percebeu que “os outros miúdos tinham estado no campo de férias, na vela. E eu pensava: eu fui à lenha, fui à água!”, ri-se agora.

Hoje a M. Luis Constructi­on tem entre 300 e 500 empregados – dependendo da época –, fatura milhões todos os anos, trabalhand­o exclusivam­ente em obras públicas. E está num processo de profission­alização. Até porque Natália e Cidália não querem deixar um peso aos filhos – a primeira tem dois, Gabriel, de 13 anos, e António, de 10, e a segunda tem uma,

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 ??  ?? Em 2013, o presidente Obama foi à fábrica de asfalto da M. Luis Constructi­on em Rockville, Maryland e saudou a família como exemplo do sonho americano
Em 2013, o presidente Obama foi à fábrica de asfalto da M. Luis Constructi­on em Rockville, Maryland e saudou a família como exemplo do sonho americano

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